Mariana Goldfarb: “O machismo nos atravessa de forma profunda”
“Até entendo a descredibilização vinda de um homem, mas, quando uma colega me fere ou fere alguma outra da mesma classe, dói”

A nutricionista Mariana Goldfarb, 35, tem um estilo de vida saudável, beleza, colágeno em dia, talento físico, gosta de Literatura, faz o combo corpo+mente+espírito.
Separada há dois anos do ator Cauã Reymond, ela viveu uma transformação depois de anos casada — começaram em 2016, casaram-se em 2019 e se separaram em abril de 2023.
Em várias entrevistas, Mariana fala sobre relacionamento abusivo no passado, violência psicológica e situações de manipulações, sem nunca citar o nome do ex-marido ou qualquer namorado. Mas, até transmitir esse perfil atual em imagens, vídeos, textos, receitas e treinos, demonstra ter vivido uma tormenta: respondeu a uma seguidora que “a causa é muito maior do que o cara. A causa é a parada, o cara não tem importância”. E, com isso, se tornou também uma voz potente sobre o assunto.
Esta semana, o nome de Cauã está em alta: além de aparecer no remake de “Vale tudo”, novela das nove da TV Globo, como o cafajeste César, os bastidores dariam outra novela, com comentários de que o ator teria destratado Bella Campos, intérprete de Maria de Fátima e ainda sido rude com o ator Humberto Carrão, intérprete de Afonso. O próximo capítulo, ops, quem é que sabe?
Nas redes, Goldfarb publicou depois do estardalhaço: “Tudo que falei sobre misoginia, violência, machismo está vindo à tona. Ninguém quis escutar; agora vou assistir de camarote”. Também surgiu muito a palavra “supera” de outras mulheres em seus posts. Nessa quinta (17/04), por exemplo, publicou, nos stories do Instagram: “Quando eu vencer, tem mais gente que vai vencer comigo, e é por isso que eu não desisto”, e marcou a atriz Bella Campos.
“Até entendo a descredibilização vinda de um homem, mas, quando uma colega me fere ou fere alguma outra da mesma classe, dói”, diz.
Leia sua entrevista:
1 – Na última semana, você fez um desabafo sobre as críticas e a falta de empatia, principalmente das mulheres que comentaram “ela não supera”, sobre relacionamentos tóxicos. Muitas mulheres também a apoiaram, ou você vê isso apenas na teoria?
Quero acreditar que estamos vivendo um novo momento de posicionamento e de escuta na sociedade. Ainda que exista muita descrença por parte de algumas mulheres — e isso me atinge profundamente —, são elas a minha maior força… E, paradoxalmente, também a minha maior fragilidade. Porque é das mulheres que recebo meu maior apoio, mas também é nelas que encontro os maiores obstáculos. Quando uma mulher descredibiliza outra, todas sentimos; dói em cada uma de nós. Acredito que uma causa verdadeira é sempre coletiva, nunca individual. E o machismo estrutural nos atravessa de formas tão sutis quanto profundas. Nos cabe, todos os dias, quebrar um pedacinho disso dentro de nós mesmas – desconstruir, desviar, mudar a rota. Sim, hoje esse processo é mais visível, mais palpável. Não está só na teoria, mas o caminho ainda é longo.
2 – Você teve algum alerta de pessoas próximas, ou estava tão cega que não percebia os sinais da relação abusiva? Porque, muitas vezes, a mulher é tida como exagerada, ciumenta, ainda mais dependendo do marido…
Dentro de uma relação abusiva, a gente sabe, lá no fundo, que tem algo errado, mas é difícil nomear. Existe uma grande invalidação dos próprios sentimentos. A pessoa começa a se achar louca, vive em constante dúvida sobre si mesma. Busca justificativas para o que está vivendo, tenta entender o outro o tempo todo, se coloca como culpada. E isso reforça a confusão. Por muito tempo, eu também não tive clareza. Só consegui começar a entender quando, na análise, fui conseguindo desmistificar e colocar em palavras o que antes era só um grande mal-estar. Mesmo sem conseguir nomear os sinais, a sensação está ali: pisar em ovos, se sentir desconfortável o tempo inteiro, como se algo estivesse sempre fora do lugar. A rede de apoio é fundamental, mas, dentro dessa dinâmica, muitas vezes é mais fácil não ouvir quem está de fora. Fingir que está tudo bem, que se está numa relação perfeita, parece mais seguro do que encarar a dor da realidade. A mulher é frequentemente rotulada não apenas como ciumenta e exagerada, mas também com diversos outros adjetivos. Isso nos leva a questionar e duvidar da nossa própria identidade. Aos poucos, essa identidade vai se perdendo, e, sem ela, não somos ninguém. Afinal, é nossa identidade que nos possibilita trabalhar, manter um círculo social e, principalmente, nos reconhecer. Se não sabemos mais quem somos, não sabemos mais nada.
3 – Acredita que, um dia, as máscaras dos narcisistas, abusadores, podem cair?
Acredito muito, mas também sei que, quando se está em lugares de poder, tudo fica mais difícil. O poder caminha lado a lado com o dinheiro — e o dinheiro compra. Compra influência, compra silêncio, compra espaço. Quando se pode comprar a mídia, por exemplo, a luta por justiça e verdade se torna ainda mais desafiadora – mas não é impossível. Por isso, é fundamental que a gente escolha com consciência o tipo de mídia que consome. E, mais do que isso, que a gente cobre responsabilidade ética dos veículos de comunicação. Muitos deles ainda divulgam informações distorcidas ou falsas. Precisamos estar atentas.
4 – Quando a sua chave virou e você começou a perceber os abusos, e quanto tempo isso durou até a “cura”?
Existe um momento em que tudo se resume a sobreviver. Cada pessoa tem seu próprio limite: algumas passam a vida inteira sem chegar nele; outras, quando esse limite se impõe, começam a enxergar com mais nitidez o que estão vivendo e buscam ferramentas para sair. A saída, no entanto, é difícil e, sem recursos financeiros, é ainda mais desafiador. Por isso, sempre digo: estudem, se capacitem, trabalhem. Nenhum trabalho é menor ou maior — o que importa é ter uma fonte de renda, uma autonomia mínima que permita construir uma rota de fuga de uma situação de abuso. Sem um estofo, sem uma base, tudo fica muito mais difícil. No meu caso, a chave foi virando aos poucos. Foi — e ainda é — um processo. Leva tempo. É preciso tempo, estudo e investimento, especialmente em saúde mental, que continua sendo, até hoje, um dos pilares fundamentais da minha vida. A cura não é um lugar, não se chega a ele e se finaliza. É uma vida de cura, você vai existindo e se transmutando as suas vivências.
5 – Quando olha pra trás, você se reconhece?
Sim, me reconheço nisso. Acho que o grande segredo está em entender onde começamos a cair nessa dinâmica. A partir daí, as coisas começam a sair do papel. Você começa a assumir o papel de protagonista da sua própria vida e a trabalhar as suas questões internas. São essas questões que, muitas vezes, nos mantêm em certos tipos de relações, e a gente acaba repetindo os mesmos padrões por toda a vida. Compreender o que nos levou a nos conectar e a permanecer nesses padrões é o mais importante. Quando você entende isso, não repete mais. Aí, sim, é possível ver uma verdadeira mudança em todos os aspectos da sua vida. Aquela também era eu, mas se eu conseguir enxergar. Hoje eu consigo.
6 – Quando começou a fazer análise e o quanto ela a ajudou ou ajuda?
Desde 2017, faço terapia, e há três anos, me dedico à psicanálise. Além disso, busco constantemente outras formas de autoconhecimento. Eu ando (no sentido figurado), pois acredito que esse hábito me ajuda a me entender melhor, ao mesmo tempo em que aprofunda minha percepção sobre o mundo ao meu redor.
7 – Você também disse que, no ano passado, teve um processo de estado depressivo, com tristezas profundas. O que fez para sair e, ainda, como buscou a medicina ayurveda e como ela ajuda na sua vida?
Sou pós-graduada em medicina ayurvédica — uma sabedoria que sempre esteve presente na minha vida. Aprendi que as tristezas fazem parte do viver. Elas precisam ter espaço, assim como as alegrias; sem uma, a outra não floresce, ambas são igualmente importantes. Com o tempo, aprendi a acolher minha tristeza, a olhar para ela de frente, sem medo. A dor ensina. E permitir que todas as emoções existam — sem pressa, sem julgamento — é, para mim, uma das formas mais verdadeiras de estar viva.
8 – Você começou na carreira de modelo muito cedo, aos 13/14. Disse que nunca amou ser “cabide de lugar nenhum”, mas era um começo de carreira. Aonde a beleza a levou?
A beleza me trouxe até aqui e sou profundamente grata por isso. Não vejo problema algum em reconhecer meu exterior — pelo contrário, adoro receber elogios pela minha aparência, assim como pelo que sou por dentro. Amo quando reconhecem o impacto que causou. Cuido do meu corpo com muito carinho e atenção. Não tento desmerecer minha beleza porque sei o valor que ela tem na minha história. Comecei a trabalhar muito jovem, venho de uma família extremamente trabalhadora. E, sim, portas se abriram para mim por causa da minha aparência — isso contribuiu diretamente para a minha independência financeira. Não tenho como achar isso ruim: minha beleza foi uma das ferramentas que me ajudaram a chegar até aqui.
9 – Você teve anorexia. Até por isso, decidiu fazer Nutrição? Parece que a magreza extrema está voltando com tudo, como vemos em conteúdos das redes e desfiles. O que acha desse padrão?
Infelizmente, eu acho que esse padrão ainda vai continuar existindo por um bom tempo. Mas é fundamental que a gente continue falando sobre ele. O mais importante é desmistificar. Decidi, sim, fazer Nutrição por causa da anorexia, mas, sinceramente, também deveria ter feito Psicologia. A doença é, antes de tudo, uma questão psicológica, muito mais do que nutricional. Acho que a situação está ainda mais complicada hoje por conta de toda a alopatia disponível e do fácil acesso a ela. Os remédios são caros e, no fim das contas, acessíveis apenas a uma elite. É delicado, porque se prega uma solução que, na prática, é irreal para a maioria.
10 – Num mundo tão conectado, com informações chegando a cada segundo, como se manter ligado em si mesmo? Como prestar atenção aos, digamos, sinais?
O mundo não vai desacelerar, por isso, cabe a nós entender o impacto das nossas escolhas. Pra mim, esses momentos de presença acontecem quando escolho ler um livro ou quando me conecto com a natureza em uma cachoeira. Cada pessoa vai encontrar o seu próprio jeito – pode ser numa caminhada, numa conversa silenciosa, ou mesmo no cuidado com o que se come. Alimentar-se bem, com consciência, também transforma. São pequenos grandes gestos de cuidado — com o corpo, com a mente, com a vida.
11- Quem é a Mariana Goldfarb 2025?
Hoje, eu me reconheço com firmeza — na minha essência, na minha inteireza, nos meus gostos. Quando a gente sabe quem é, muita coisa que antes parecia enorme simplesmente perde o peso. Alguns problemas somem, outros encolhem – porque o olhar muda, a gente muda.