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Lu Lacerda

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Jornalista apaixonada pelo Rio

Entrevista: Niemeyer X Anistia X destruição das obras do avô

Durante 54 anos, Kadu Niemeyer trabalhou com o avô, registrando as maquetes, nuances do trabalho e, às vezes, o cotidiano

Por lu.lacerda
Atualizado em 13 abr 2025, 11h13 - Publicado em 13 abr 2025, 07h00
kadu
 (Reprodução/Divulgação)
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O fotógrafo carioca Kadu Niemeyer, 71 anos, neto do símbolo da arquitetura brasileira, com reconhecimento mundial, Oscar Niemeyer, tinha 6 anos quando a família se mudou do Rio, onde morava, na Casa das Canoas, em São Conrado, para viver em Brasília, na recém-capital, que, neste ano, completa 65 anos. Durante 54 anos, ele trabalhou com o avô, registrando as maquetes, nuances do trabalho e, às vezes, o cotidiano, assim, acumulando memórias. Kadu era o “fotógrafo oficial” de Niemeyer. Essa convivência intensa, tanto familiar quanto profissional, permitiu que ele aprendesse os seus ensinamentos e ouvisse bastidores da fundação de Brasília, muitos deles inéditos.

Essas são as razões pelas quais as discussões sobre a anistia para os condenados do 8 de janeiro terem virado o tema que mais o emociona, a ponto de ter dado um impulso em sua vida. Desde então, jurou a si mesmo levar adiante, com muito mais afinco, o legado do avô. Diz que a destruição do Congresso Nacional foi a que mais o atingiu: “Nunca vou esquecer!”.

Para imortalizar o legado do avô, ele está reabrindo o Escritório de Arquitetura e Urbanismo Oscar Niemeyer, no Rio, assumindo como administrador. E é com essa responsabilidade que Kadu está  se dedicando também a alguns projetos sobre o famoso arquiteto: um livro de fotografia e uma exposição itinerante com as imagens de suas obras mais importantes, a fundação de um museu e a construção de 10 projetos inéditos em Maricá (RJ), onde vai participar, no dia 26/05, da abertura da exposição (com entrada franca) com as referidas maquetes.

1- Você tem dito que a tentativa de golpe de Estado, quando foram destruídas muitas obras do seu avô, Oscar Niemeyer, se transformou num impulso em sua vida, como assim?

O Congresso Nacional está sob forte pressão para aprovar o projeto de lei que propõe anistia para os condenados do dia que entrou para a história como o 8 de janeiro de 2023, quando vândalos invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF), patrimônio público e algumas obras emblemáticas do meu avô Oscar Niemeyer. As imagens de terror foram gravadas em tempo real e postadas pelos criminosos nas redes sociais, chocando  o país e a mim duplamente, como brasileiro e como seu neto. Nunca vou esquecer. Fui tomado por um sentimento de saudade, indignação; ao mesmo tempo, senti alívio por meu avô não estar mais aqui para ver esse brutal ataque a suas obras-primas. Naquele momento, fiz o juramento de levar adiante o legado de Oscar Niemeyer, não só de sua obra como também de seus ideais humanitários, incluindo aí um livro.

2- O que vai constar principalmente neste livro?

Estou produzindo um livro de fotografias junto com uma exposição itinerante com as imagens das obras mais importantes de Niemeyer: Brasília, Rio de Janeiro, Niterói e Belo Horizonte. Serão  também incluídas as 10 maquetes dos seus projetos inéditos, que serão construídos em Maricá (RJ),  cidade que ele tanto amava. Será um marco para o município, pois, sendo ele um ícone mundial, suas obras vão atrair turistas e impulsionar a economia local. Ele  tinha ligações afetivas com Maricá por causa de seu avô paterno, que morou na cidade, e era a terra natal de seu pai, Manuel Ribeiro de Almeida, que tinha fazenda lá. Meu filho, Oscarzinho, também nasceu em Maricá. No dia 26/05 estarei em Maricá para participar da abertura da exposição, que vai reunir as referidas maquetes para visitação pública com entrada franca.
 
3- Poderia detalhar mais?

No livro, além de sua obra genial, também destacarei o lado humano e intimista do arquiteto, e vou registrar algumas memórias de nossa convivência profissional, além de algumas fotos do álbum de família que se misturam com a história de Brasília e do Brasil. Nele também farei um pequeno perfil da galerista e marchande carioca Anna Maria Niemeyer (1931-2012), minha mãe, única filha de Oscar. Ela fez alguns trabalhos com ele, por exemplo, a decoração do Palácio Alvorada, e criou alguns móveis de lá e do Rio, o que foi fundamental para a difusão e o lançamento de artistas brasileiros, como Jorge Guinle e Chico Cunha, entre outros nomes. Outro projeto que estou tocando também em Maricá, onde Niemeyer era proprietário da centenária fazenda “Bananal”, que existe até hoje, é que estou me dedicando a fazer dela um museu.

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4- Entre as obras depredadas, qual mais te tocou? Por quê?

O Congresso Nacional foi o que mais me impactou, pois Oscar me contava que foi o projeto mais difícil, elaborado sem ter uma ideia de como aumentaria o número de parlamentares. Tudo rápido era a palavra de ordem; portanto, esse projeto foi iniciado com ele indo ao Rio com o objetivo de dimensionar o Congresso da então capital federal para, multiplicando a área estimada e os setores existentes, iniciar os desenhos. Isso explica os prédios anexos depois construídos.

 5- Vocês viveram juntos muitos anos em Brasília. Que grande lembrança ficou?

Eu tinha 6 anos quando minha família saiu do Rio, onde morávamos na Casa das Canoas, em São Conrado, e fomos morar em Brasília, na recém-inaugurada capital, que, neste ano, completará 65 anos — “a vida é um sopro” era a frase que ele sempre repetia. A minha lembrança mais marcante foi quando meu avô construiu um laboratório fotográfico para mim na nossa casa. Na época, não existia celular nem fotografia digital; era preciso revelar as imagens com aquelas bacias com química. Foi assim que, aos poucos, ele foi me incentivando a ser o seu fotógrafo oficial. Com ele, aprendi a fazer fotografia de arquitetura, onde é preciso saber o conceito do profissional para escolher o melhor ângulo. Me lembro do céu de Brasília, de um azul que eu jamais tinha visto, e do chão de terra vermelha, o movimento constante de obras por toda parte, um mundo completamente diferente pra mim.

6- O que acha que o arquiteto, considerado tão humano, diria aos condenados do 8 de janeiro?

Ele foi um democrata e sempre coerente com seus ideais até a idade de 104 anos, quando nos deixou. Com certeza, não haveria de gostar, indiferentemente de as suas obras serem o alvo ou não. Fico imaginando o que ele diria ao assistir às imagens dos vândalos depredando as obras que ele projetou com tanto entusiasmo e amor ao Brasil.
Meu avô Niemeyer nunca foi uma pessoa preocupada em acumular riqueza — ele se indignava em ver a pobreza se multiplicar por toda parte e dizia que “a arquitetura é injusta, só servindo aos poderosos”. Ele amava o Brasil, os amigos e a família — a ela sempre se dedicou e foi um pai para mim. Ele era o Dindo: era assim que nós, netos, o chamávamos. Fui acumulando memórias porque, durante 54 anos (desde 1971, quando o acompanhei no seu exílio voluntário na França, quando o Brasil vivia uma ditadura militar), período em que ele teve escritório em Paris, trabalhei com ele, sendo que iniciei fotografando as maquetes dos seus projetos. Desde esse período, ele se indignava com as notícias que chegavam do Brasil, sobre as perseguições políticas; ele se preocupava com os amigos e protestava contra a violência e a censura do regime. Outra causa que ele defendia era: “acabar com o especialista” e transformar o jovem que sai da universidade sem ler um livro, preocupado apenas com os assuntos de sua profissão. Levá-lo à leitura, fazê-lo entender este mundo injusto, que devemos modificar. Sua preocupação aumentou quando, certo dia, um grupo de estudantes foi ao seu escritório para fazer um trabalho escolar, e ele ouviu uma moça perguntar a uma colega: “Você já leu Eça de Queiroz? E a outra lhe perguntou: “É filho da Rachel de Queiroz?”. Daquele momento em diante, ele passou a considerar a urgência de se intervir no processo de formação da juventude em nosso país. E decidiu  promover encontros com os estudantes, para explicar as razões da sua arquitetura e falar de literatura, história e arte. O primeiro encontro aconteceu em 2009, com 70 alunos e sete professores da faculdade de Arquitetura da Escola da Cidade, sediada na capital paulistana; do segundo, participaram inúmeros estudantes e professores pertencentes à Universidade de Brasília, e o terceiro foi realizado no Caminho Niemeyer, em Niterói.

7- Você reabriu o escritório? O que o levou a essa decisão?

Como neto e administrador do escritório de Arquitetura e Urbanismo Oscar Niemeyer, posso afirmar que nosso compromisso é manter viva a essência criativa e revolucionária que ele trouxe para o mundo da arquitetura. O trabalho dele transcendeu a função prática de edifícios, sempre carregando poesia, formas fluídas e a busca pela integração da arquitetura com o ambiente.

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O objetivo é  dar continuidade aos projetos não realizados e colaborar com novas ideias que preservem o legado dele. Nosso objetivo é assegurar que o DNA do trabalho dele – a simplicidade, o respeito pela escala humana e pela beleza das curvas – continue a inspirar as novas gerações.

Se você tem projetos, ideias ou colaborações em mente, nossa equipe está à disposição para que possamos desenvolver e criar o futuro juntos. Afinal, o legado de Oscar Niemeyer não é apenas uma herança familiar, mas um patrimônio da humanidade.

8- As brigas da família Niemeyer acabaram? 

Estamos trabalhando para melhorar as relações e deixar os desentendimentos no passado. Aos poucos, com paciência e diálogo, vamos reconstruindo os laços, o que é importante para nós; afinal, em família, sempre há espaço para reconciliação e crescimento. Estamos nos reforçando para reconstruir o carinho e a união.

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