Entrevista com Bruno Bonjean, ex-tenista, impulsionador de João Fonseca
Qual o cenário desse esporte hoje?

Um carioca de 18 anos foi notícia na última semana: João Fonseca, que estreou no Australian Open e eliminou o russo Andrey Rublev, número 9 do ranking mundial. Foi o tenista brasileiro mais jovem a disputar uma partida de Grand Slam – o recordista anterior era Gustavo Kuerten, o Guga, que disputou Roland Garros aos 19. Na quinta (16/01), João perdeu para o italiano Lorenzo Sonego e deixou o torneio como o 112º (era 730º) colocado do ranking da ATP. O próximo desafio será na cidade onde nasceu, mora e treina, no Rio Open, de 15 a 23 de fevereiro, no Jockey.
Por trás de todo atleta de alto rendimento, existe uma engrenagem complexa: um dos motores que impulsionou João foi o empresário carioca Bruno Bonjean, ex-tenista e apaixonado pelo esporte, sócio da Yes Tennis, academia no Itanhangá Golf Club, a segunda “casa” de João.
A história começou em 2015/2016, quando Bruno começou a fazer um movimento pelo esporte no Country, em Ipanema, um dos clubes mais tradicionais do Brasil, para treinar a garotada. Entre eles, João, 12 anos, vizinho do clube e filho de amigos de Bruno (Roberta e Christiano Fonseca).
A coluna conversou com Bruno sobre o cenário do tênis no Brasil e no Rio, embora mais popular do que nunca, ainda, digamos, elitista, até pela manutenção de um atleta desde material até uma equipe multidisciplinar de profissionais.
E vem aí a 11ª edição do Rio Open, maior da América do Sul, que teve recorde de público (65 mil pessoas) em nove dias no ano passado, movimentando R$150 milhões. E lá estava João, que se tornou o brasileiro mais jovem desde Guga a ir às quartas de final de uma competição de nível ATP. Ele caiu para o argentino Mariano Navone, mas, desta vez, Bruno acredita que ele saia campeão.
1 – Quando o tênis entrou na sua vida e como foi a migração de tenista para empresário do setor?
Jogo tênis desde os 6 anos (tem 56); sou apaixonado, disputei campeonatos, levava o esporte a sério. Treinava no Country, e meu avô tinha uma quadra na casa dele, no Itanhangá. Fui campeão estadual várias vezes até que, aos 17, tive um problema no punho. Essa contusão acabou definindo a minha vida: fui fazer faculdade de Economia e trabalhar no mercado financeiro. Fiquei 20 anos em São Paulo e voltei em 2015, ao Rio, querendo ajudar a revitalizar o tênis carioca. O Country é um clube histórico de tênis, mas estava completamente abandonado; eu queria fazer um grande jogador no Brasil novamente. Para isso, eu precisava criar um ambiente favorável, organizar torneios, patrocinar alguns garotos que não eram do Country; com esse movimento, fui convidado a ser diretor de esportes do clube. Foi então que consegui montar uma equipe, contratei alguns profissionais e comecei a ganhar moral, o que era difícil por ser um clube mais social. Tive de quebrar alguns paradigmas, precisava de um monte de quadras a tarde inteira; alguns sócios achavam legal, outros, não. Começamos com cinco garotos, entre eles, o João.
2 – E como ele chegou até você?
Ele é sócio do clube, sou amigo dos seus pais; ele jogava nos torneios que eu organizava. Vi que tinha um talento muito grande, com características muito interessantes. Tem pais que, gostando de esporte, incentivavam muito, tinham condições de investir na carreira. Se eu colocasse uma equipe voltada para o desenvolvimento do alto rendimento, ele certamente seria o primeiro candidato. Assim foi feito. Ele era o líder da turma, sempre envolvido, sempre participando, com muita interação nos torneios com os mais velhos. Começou a disputar campeonatos, a se destacar, tendo o técnico Guilherme Teixeira sempre por perto – trazido por mim pra montar essa equipe do zero. Quando era jovem, foi uma coisa que senti falta: eu queria que tivessem feito isso comigo.
3 – A Yes Tennis nasceu por isso?
Como o Country ficou pequeno para o João, pensamos no próximo passo. A equipe que começou com cinco atletas já tinha 15, o movimento de garotos dentro do clube estava muito forte, e a equipe só poderia ser composta por sócios. Vimos a necessidade de expandir aquele negócio, senão ficaria uma coisa encapsulada ali dentro, sem evolução. O Itanhangá surgiu como uma opção. Levamos os 15 garotos pra lá em 2021, investimos em infraestrutura, reformamos as três quadras e construímos mais três; hoje, já são 40 alunos. O João foi crescendo e, com isso, vai trazendo mais garotos. Hoje temos oito treinadores e estrutura bem maior, com patrocinadores, como a XP, a Claro. Nosso negócio começou ali, pequenininho, com o João com 11 anos, o Guilherme e eu.
4 – Acredita que o Brasil, um dia, vai deixar de ser somente o país do futebol? O que falta para o tênis?
Faltava uma federação que chegasse junto. Durante muitos anos, ela ficou fechada, com muita gente mal-intencionada circulando por ali, mas, há uns seis anos, aconteceu uma mudança e, com apoio da Confederação Brasileira de Tênis, houve uma migração de centros de treinamento. Atualmente são três grandes academias: a Rio Tennis Academy, a Yes e a Tennis Route. E o Rio Open é importantíssimo. O clima do Rio é propício para treinamento de alto rendimento — no nível do mar, o calor, que são condições que você enfrenta no circuito, além de ser uma cidade onde a garotada de outros estados adora morar. E existe uma política de incentivo da secretaria de Esportes, de leis que funcionam muito bem. O Rio tem uma combinação interessante que vem ajudando no desenvolvimento, mas o fato de termos três grandes academias é muito importante, porque virou um polo.
5 – O tênis é um esporte ainda elitista. Quanto custa para começar a treinar?
Você tem muitos talentos no Brasil, mas, quando chega aos 15,16 anos, o esporte fica caro porque, pra fazer bem feito, é preciso que gastar dinheiro. No início, você gasta de R$ 500 a R$ 1,5 mil em aulas kids, material, mas precisa estar num clube, que é o celeiro inicial, ou gastar ainda mais, alugando quadras. O juvenil já aumenta para uma média de R$ 4 a R$ 5 mil por mês. O ideal é começar num clube ou academia de tênis.
6 – Qual a maior barreira para o esporte no Rio?
Acho que os clubes precisam mudar a mentalidade; antigamente davam mais espaço, mas hoje está cada vez mais difícil. Acredito que o engajamento dos clubes com esporte dá pra conviver com o lado social; tem espaço para todo mundo. O Rio tem uma dificuldade de espaço físico: mesmo com patrocínio, é difícil encontrar um lugar pra construir quadras. Fiz um torneio no final do ano e lotou. Se você der o produto, tem demanda, mas o segredo é ter uma federação forte e o apoio dos clubes. Vou tentar esclarecer um pouco: os clubes apoiam até a página 2. Quando você precisa fazer uma competição, eles não abrem a quadra para a federação, por exemplo, fazer um torneio. A federação precisa implorar para o clube ceder um horário de torneio, e não consegue; aí vai fazer em outra cidade ou numa das academias. Quando eu era garoto, todos os clubes cediam a quadra para os torneios. Todas as pessoas que trabalham com tênis no Rio são movidas pela paixão pelo esporte. Botei um monte de dinheiro do meu bolso no início, já fiz muita vaquinha, mas hoje a academia já roda sozinha.
7 – A que você credita o sucesso do Rio Open e tem algum palpite para o campeão desta edição?
É um torneio muito bem organizado, bonito e já tem uma tradição. Sempre houve a preocupação de trazer grandes atrações, como o Nadal, o Carlos Alcaraz. Acontece próximo ao carnaval, com muita gente aproveitando pra curtir, é uma cidade para onde o pessoal gosta de vir, e o torneio é muito bem estruturado. E claro, sempre acho que o João vai ganhar. Depois da Austrália, ele entra com uma energia, uma vontade gigantesca. E vai estar na condição que ele está acostumado, com a torcida que ele adora.
8 – O brasileiro precisa de ídolos? João vai ocupar esse lugar?
Eu acho que o brasileiro é um povo carente, sempre à procura de um novo ídolo. A gente teve o Guga, o Ayrton Senna, tirando o futebol, claro. Nos últimos 20 anos, tivemos três grandes tenistas — o espanhol Rafael Nadal, o sérvio Novak Djokovic e o suíço Roger Federer, que trouxeram um interesse muito grande ao esporte, mundialmente falando, mas não tinha um brasileiro pra gente torcer. Acho que o João tem tudo pra ser esse ídolo, com personalidade e carisma. Ele está preparado pra isso desde os 11 anos, para chegar aonde chegou. Tudo o que fizemos foi planejado desde o momento zero.
9 – Vocês estão preparados para o assédio do público?
Tem uma parte que não se controla, mas tudo que é controlável você pode ter certeza de que vai ser feito. Ele tem as obrigações perante a mídia, as coletivas, mas não vai ser um jogador de fácil acesso, principalmente no Rio, porque ele tem 18 anos, e temos a preocupação de blindá-lo para ele focar no desenvolvimento dele e certamente não deixar essas questões extraquadras atrapalharem; por exemplo, na Austrália, ele não acessava o Instagram ou mensagens. Se tem alguma postagem foi a assessoria que fez. Imagina ele abrindo a rede social, e só falando dele, os melhores jogadores do mundo não param de falar dele, os brasileiros idem… Como é que se concentra? Agora, quando ele voltar ao Rio, começa a rotina, e no clube não pode entrar quem não é sócio.
10 – Hoje é mais fácil ter investimentos?
No meu negócio, graças a Deus, muito pelo sucesso do João, pelo que a gente entregou com trabalho sério. Foi muito porque eu apostei no João. Imagina um garoto de Ipanema, pais ricos, todo mundo achando que não daria certo, e eu dizendo que ele seria campeão. Mas, para mostrar que é verdade, demora um tempo. Estou há 50 anos trabalhando nisso, aprendendo, e realmente tenho paixão por esse esporte. E mergulhei de cabeça. Já estive lá, fui destaque juvenil, vi outros garotos que deram errado e acho que sei o caminho.
11 – E os próximos passos?
Eu invisto nesses garotos há sete anos; é nesse caminho que vou. Agora é descobrir outros Joões: estamos de olho em um, o Bernardo Carvalho, 14 anos. Tem um perfil parecido, moram no mesmo prédio, em Ipanema. Queremos mostrar que, quando dá certo, não foi por um golpe de sorte, mas por muito trabalho.