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Lu Lacerda

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Jornalista apaixonada pelo Rio

Eduardo Affonso: o escritor “inventalínguas”

"Se cair na boca do povo, vira voz de Deus. Se não, vai se tornar esquisitice num livro de páginas amareladas"

Por lu.lacerda
Atualizado em 31 jan 2025, 19h06 - Publicado em 31 jan 2025, 18h00
Eduardo affonso
 (Divulgação/Arquivo pessoal)
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Ao contrário daquelas pessoas que intercalam palavras em inglês na conversa, como se esse uso trouxesse algum significado a seu favor, o professor e escritor Eduardo Affonso usufrui de todos os vocábulos, sendo que aportuguesados: “Ainda há quem resista a esses empréstimos linguísticos, como um Policarpo Quaresma transplantado para o século XXI. Eu me rendi faz tempo. Não me limito a ‘leiaute’ e ‘becape’ (já devidamente instalados no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa), que seguem a trilha aberta por ‘blecaute’, ‘nocaute’ e assemelhados. Trabalho em ‘romiófice’. Fujo das ‘feiquenius’. Dou ‘apigreide’. Conecto-me no ‘blutufe’. Navego pelos ‘saites’. Faço ‘pleiliste’. Apoio ‘impítimã’. Odeio ‘espóiler’. Sim, o corretor ortográfico chia e sublinha em vermelho – como se tomado pelo espírito do finado Lopes. Alguns leitores mandam mensagens desaforadas, mas deve ter sido assim, quando o primeiro cronista esportivo escreveu beque em vez de ‘back’, pênalti em lugar de ‘penalty’ e chute, até então, ‘shoot'”, diz ele, para quem a língua portuguesa segue no mais elevado conceito.

E continua: “No seu clássico (e impagável) “Neologismos indispensáveis e barbarismos dispensáveis” (Editora Francisco Alves, 1909, 2ª edição), o filólogo Antonio de Castro Lopes vociferava contra os anglicismos, galicismos e outras invasões bárbaras. Vivesse nos dias de hoje, teria de se manter à base de Rivotril. Lopes defendia a “pureza” do idioma, em cujas veias só deveriam correr sangues grego e latino. Mas venceu a nossa antropofagia: mastigamos o que veio de fora, deglutimos e ganhamos abajur, futebol, piquenique, chofer (já demitido, trocado pelo motorista) e turista. Essas – e outras tantas – se adaptaram tão bem ao nosso clima, ao nosso paladar, que é difícil imaginar que gol, líder, greve, massagem, um dia nos soaram como estrangeiras. Algumas apropriações devem vingar; outras, não — vide pizza, blitz, shopping, show, apartheid, que mantiveram o sotaque e a pose.”

Affonso comenta que quem decide o que fica ou não pelo caminho é o povo – esse “inventalínguas na malícia da mestria no matreiro da maravilha no visgo do improviso”, como definiu Haroldo de Campos. Se cair na boca do povo, vira voz de Deus. Se não, vai se tornar esquisitice num livro de páginas amareladas, junto com o casticismo de quem não sabe apreciar o beijo de línguas.

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