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Lu Lacerda

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Jornalista apaixonada pelo Rio

Rui Campos (livreiro): “O convívio é ilustrado pelo conhecimento humano”

A importância de uma livraria está diretamente ligada ao envolvimento que ela tem com seu público

Por lu.lacerda
8 fev 2025, 07h00
Rui Campos
 (Coluna Lu Lacerda/Arquivo pessoal)
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A importância de uma livraria está diretamente ligada ao envolvimento que ela tem com seu público, seu bairro, sua cidade e seu tempo e à capacidade dos livreiros (curadores) de interpretar tudo isso através dos livros que escolhem oferecer.

Sempre considerei, do alto da minha suspeita posição, que a Muro, a Dazibao e a Travessa (as três livrarias da qual fiz e faço parte) foram livrarias que alcançaram essa condição e reconhecimento.

Sempre quando acontece atravessarmos tempos sombrios, com ameaças à democracia e ao bom convívio político, me recordo de duas histórias tenebrosas que marcaram nossa trajetória.

Vamos a elas: abril de 1981. Ditadura militar ainda assustadoramente presente, mas alguns sinais  de “abertura política” no horizonte. No 1º de maio, haveria um show de música no Riocentro, no Rio, com inequívoca manifestação de oposição ao regime e comemorando o Dia do Trabalhador. Precisamente por seu envolvimento com esse movimento, a Livraria Muro, em Ipanema, era o local de venda de ingressos para o show — era uma forma de sermos solidários com aquela luta tão importante e na qual nós e nosso público nos empenhavávamos.

Na véspera, estávamos eu, Paulo Pestana (meu sócio à época) e alguns clientes conversando na nossa pequena livraria. Pestana atende o telefone e põe-se a bater boca e mesmo xingar despudoradamente o interlocutor. Perplexidade geral. Ele bate então o telefone e nós, assustados, perguntamos: “O que foi isso?”. Ele, candidamente, responde: “Era um imbecil dizendo que iria colocar uma bomba aqui, caso não parássemos de vender ingressos do show dos comunistas!”. Era assustador, contudo caímos na gargalhada em virtude da reação corajosa e imprudente dele.

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Dois dias depois, uma bomba (entre outras) explode no colo do Sargento Rosário, matando-o e ferindo gravemente um certo Capitão Wilson.

De brincadeira, aquele telefonema não tinha nada. Quem estava naquela ligação? Um capitão?

E aí, 32 anos mais tarde (2013), com o país envolto em ondas de protestos nunca suficientemente entendidos, entra na nossa livraria da Rua 7 de Setembro, no Centro do Rio, já então Livraria da Travessa, um homem carregando uma pesada mochila. Dirigiu-se ao banheiro destinado ao público e lá permaneceu por longos minutos. Quando saiu, despertou a suspeita de um livreiro nosso, o Robson. Ele foi ao banheiro e se deparou com a seguinte cena: um enorme galão de gasolina com uma mecha de pano queimando na boca.

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A reação de Robson foi inacreditável: apagou a tocha com as mãos e foi chamar a polícia — questão de tempo e de sorte.

Gosto de refletir sobre esses dois casos; afinal, livrarias são locais de encontros, locais onde se corre o risco de encontrar livros e pessoas, as mais interessantes — verdadeiras praças, onde o convívio é sempre ilustrado e enriquecido pelo conhecimento humano armazenado em suas estantes. Por que uma livraria é alvo de ações como essa? Creio que por representar a luta pelo conhecimento, pela democracia e pela missão de esclarecer.
Vivam as livrarias!

Rui Campos é livreiro. Muito jovem, fundou a Livraria Muro (1975) no subsolo de uma galeria em Ipanema; foi sócio da Livraria Dazibao (1982); e inaugurou a primeira Livraria da Travessa, hoje com 13 lojas, em 1986. Uma vida inteira dedicada aos livros. 

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