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Lu Lacerda

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Jornalista apaixonada pelo Rio

De Próprio Punho, por Antonia Azambuja: “Meu avô Marcos, que sorte!”

Meu avô era, em certa medida e para determinado grupo da população que conhecia o seu trabalho e a sua história, uma celebridade

Por lu.lacerda
14 jun 2025, 07h00
adsfasd
 (Reprodução/Arquivo pessoal)
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Eu sempre soube que o meu avô era, em certa medida e para determinado grupo da população que conhecia o seu trabalho e a sua história, uma celebridade.

Mesmo antes de ter a oportunidade — e a sorte — de viver com ele por alguns anos e depois seguir convivendo com ele intensamente até os seus últimos dias, me lembro que, a cada saída em público com o meu avô durante as minhas visitas ao Rio, pelo menos uma pessoa (e normalmente bem mais que isso), para saudá-lo efusivamente e elogiar a sua inteligência. Quando ele me apresentava – cheio de orgulho e carinho – como a sua neta querida, a reação era sempre a mesma. Viravam-se para mim e diziam: “Você não sabe a sorte que tem de ter Marcos Azambuja como seu avô. Espero que você saiba aproveitar cada segundo em sua presença e cada gota de sua sabedoria que respingar em você”.

Mais nova, eu esnobava esses conselhos vindos dos “fãs” de Marcos que eram estranhos para mim (e às vezes até mesmo para ele, por mais que ele fingisse o contrário com maestria). Primeiro, porque muitas vezes esses desconhecidos tinham a audácia de se sentar à mesa conosco e tomar parte do meu tempo limitado e precioso com o meu avô, enquanto eu estava de visita. Segundo, porque me sentia de certa forma ofendida com a ideia de que alguém conhecesse o meu próprio avô melhor que eu, a ponto de tentar ditar como eu deveria me relacionar com ele.

Hoje me lembro com saudade de cada um desses encontros aleatórios, porque me recordo também da cara de orgulho que o meu avô fazia quando o elogiavam assim na minha frente e porque hoje sei que todos esses “fãs” estavam certos – cada segundo que passei em sua presença e cada gota de sabedoria sua que respingou em mim ficaram eternizados em minha memória e me sustentarão daqui para a frente na sua ausência. Nada como a idade e a saudade para mudar a perspectiva…

mesmo sabendo que o meu avô era essa “celebridade”, me espantou ver a repercussão que a sua morte teve na mídia e na sociedade – sobretudo no Rio de Janeiro, um dos grandes amores da vida do meu avô, que dizia sempre “Paris pode ser a cidade mais bonita do mundo feita pelo homem, mas o Rio é a cidade mais bonita do mundo feita por Deus” (frase que certamente não era de sua autoria, já que ele não era uma pessoa religiosa, mas que para mim podia ser, de tanto que ele a pronunciava).

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Justamente por causa das lindas palavras já ditas e escritas sobre ele, não preciso me estender aqui sobre a sua importância e o tamanho do seu impacto na diplomacia brasileira. Aos interessados, fica a dica: basta jogar o nome dele no Google, que vocês terão horas e horas de conteúdo fantástico e variado para consumir, desde importantes lições sobre relações bilaterais entre Brasil e Argentina, onde serviu como embaixador, até uma homenagem pouco ortodoxa ao motel VIP’s no Rio de Janeiro.

Mas confesso que não fazia ideia do quanto o meu avô era conhecido também por pessoas fora dos meios das relações internacionais e da política como sendo “aquele senhor que sempre falava tão bem na televisão e explicava tão bem conceitos difíceis”. Foi isso que ouvi muito nesta última semana, desde que voltei correndo ao Rio, depois de saber da sua morte, tanto de conhecidos de curta e de longa data, quanto de desconhecidos.

Mais ainda me surpreendeu descobrir que o Ministério das Relações Exteriores havia oferecido o Palácio Itamaraty, no Centro do Rio de Janeiro, como local para velar o seu corpo – uma honraria oferecida apenas a figuras ilustres como o próprio pai da Diplomacia brasileira, o Barão do Rio Branco. Sei que meu avô, um eterno apaixonado pelo Brasil e pelo Itamaraty e um homem de baixa estatura, mas de grande ego, estaria muito feliz com essa notícia e teria adorado estar presente na ocasião, ainda que sua ausência seja plenamente justificada.

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Devo confessar, ainda, que, dentre as homenagens que vi, li e ouvi, talvez o que mais tenha me surpreendido é a quantidade de referências a Marcos Azambuja como um homem humilde ou modesto. Sei que há muitos que o conheceram por mais tempo que eu (bem mais em alguns casos, pois ele viveu uma vida social muito ativa até seus 90 anos, que foram celebrados em grande festa) e que o meu avô, como verdadeiro camaleão que era, apresentava diferentes versões de si a diferentes interlocutores, mas peço vênia para discordar dessas qualificações.

Meu avô, tal como sua mãe e melhor amiga, dona Dirce, antes dele, era um homem profundamente egoísta.

Não me refiro aqui ao egoísmo que foi e é retratado por tantos grandes nomes ao longo da história como pecado, ou ao menos uma característica indesejável para os “homens de bem”, mas sim a uma enorme dedicação à busca pela felicidade. Muitas vezes, as suas relações interpessoais eram ditadas mais pela capacidade de cada pessoa de proporcionar a ele momentos felizes, ou alimentar a felicidade contagiosa que sempre o habitou, do que por bons modos ou protocolos sociais.

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Que fique claro: nunca o vi ser descortês, muito menos cruel com pessoas que não compartilhavam de sua paixão inesgotável pela vida e todos os prazeres que ela nos proporciona, mas aqueles que Marcos cultivava e mantinha ao seu entorno eram familiares, amigos, colegas e conhecidos que contribuíam para a sua alegria, e não aqueles que, a seu ver, poderiam diminuí-la. Acho que muitos buscam a vida inteira por esse tipo de maturidade emocional, que nos permite ser um pouco egoístas e colocar a nossa própria felicidade como prioridade, mas reza a lenda que Marcos já nasceu assim. Que sorte a dele!

Apesar de termos muitas coisas em comum – e muitas mesmo, para o bem e para o mal –, acho que o meu amor pela vida, que ele muito me ajudou a nutrir, é uma das características que mais o fez se ver em mim e contribuiu para a cumplicidade que criamos e alimentamos ao longo de toda a minha vida.

Meu avô se fez tão presente em todos os momentos importantes da minha vida – pessoais, acadêmicos e profissionais – que digo com muita tranquilidade que não sei quem eu seria hoje sem ele. Era um homem muito exigente, pois dizia que eu tinha um grande legado a seguir e o potencial para fazê-lo, e nunca mediu seus esforços e suas palavras comigo. Mas acima de tudo, tive um avô que, apesar de seus defeitos, comigo sempre foi carinhoso, presente, cúmplice e devoto. Que sorte a minha!

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Agora que ele se foi, sua voz e suas palavras seguem comigo, como eco da minha consciência, me guiando na escuridão. E que orgulho pensar que, depois que eu também não estiver mais aqui, a sua sabedoria, imortalizada em tantos vídeos, áudios e textos, também poderá guiar outros, que já conhecem a sua incrível trajetória e buscam registros seus nos anais propositalmente, ou que vierem a se deparar com suas palavras brilhantes por acaso.

Então, vô, só me resta dizer agora e sempre, em meu nome e em nome daqueles que tiveram o privilégio de te conhecer, ou que ainda terão a sorte de descobrir o teu nome e a tua história: obrigada.

Antonia Quintella de Azambuja é advogada especializada em resolução de disputas, mestre em Direito Comercial pela USP e mestre em Direito pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque. Seguiu os passos do seu avô paterno – e de sua avó materna, a embaixadora Thereza Quintella — na busca por uma carreira internacional, que a levou de Portugal, onde nasceu, para o Brasil, onde se formou em Direito e iniciou sua carreira, para os Estados Unidos, para estudar e trabalhar, e agora, de volta à Europa, onde seguirá trabalhando com disputas internacionais. Hoje ela fala novamente sobre o seu avô, da perspectiva de quem o conhecia por detrás das câmeras, dos discursos e textos impactantes e para além da imagem pública de que todos se lembram.

P.S: O embaixador Marcos Azambuja morreu dia 28 de maio. Nos últimos anos, fazia parte do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), dirigido por Júlia Dias Leite, a quem não negou o pedido de ser publicado um livro sobre sua vida.

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