Crônica, por Eduardo Affonso: Tião (o pet)
Vinicius de Moraes escreveu que todo poeta só é grande se sofrer

Vinicius de Moraes escreveu que todo poeta só é grande se sofrer. Ninguém escreveu isto ainda, mas nenhum cronista é grande (ou, pelo menos, médio) se não tiver escrito uma crônica sobre não conseguir escrever uma crônica (Rubem Braga que o diga). E nenhum pai de pet faz jus a essa parentalidade se resistir à tentação de trazer para uma conversa – qualquer que seja, seja lá com quem for – o palpitante tema do cocô do seu cachorro.
Por isso eu me sentia incompleto como pai de pet (por pouco não escrevo “Por isso me sentia um pai de pet incompleto” – o que poderia gerar ambiguidade sobre a incompletude ser do pet, não do pai. Como quero falar do Tião, a quem falta o rabo, tanto “incompleto como pai de pet” quanto “pai de pet incompleto” estariam corretas).
Mas, voltando a Vinicius, Braga e a plenitude da parentalidade pet: para não escrever sobre o nada, nem sofrer com isso, preciso contar – como quem não quer nada – que Tião faz cocô em capítulos.
Sim, Tião se alivia em prestações. Talvez seja algo específico do funcionamento digestivo dos caramelos orelhudos sem rabo, talvez seja para me tirar do sedentarismo e me fazer não apenas caminhar duas vezes por dia, mas também agachar três vezes a cada saída, para recolher sua caca. São, por conseguinte, seis agachamentos diários (Duda vai ficar de fora desta estatística).
Quando saímos de novo à noite (é raro, mas acontece), são nove as vezes em que tenho de levar os joelhos (que já não andam bem das pernas) ao seu limite. Ainda quero testar uma hipótese: se algum dia eu sair 20 vezes com o Tião, haverá 60 eventos de cocôs a recolher. Isso independentemente da quantidade de ração consumida. Ou seja, Lavoisier só formulou a sua Lei da Conservação das Massas (em um sistema fechado, a massa total dos reagentes é igual à massa total dos produtos em uma reação química, ou seja, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma) porque não conheceu o Tião.
Isso me leva a outro ponto inevitavelmente abordado por todo pai de pet: os xixis. Aqui, não há número exato, mas, no caso do Tião, ele equivale ao dobro da quantidade de árvores, arbustos, postes, placas, cercas, grades, muros, floreiras, fradinhos, lixeiras, bueiros, caixas de inspeção, medidores de água, folhas caídas, gravetos e quaisquer outros elementos que tenham o azar de cruzar o seu caminho (o dobro, porque o xixi acontece na ida e na volta).
Considerando que Tião bebe cerca de um litro de água por dia e faz pelo menos três a quatro litros de xixi no mesmo período, creio que possa ser muito útil em locais onde haja escassez hídrica ou (alguém tem o contato da Nasa?) na colonização de outros planetas. Tudo bem que seja necessário trabalhar bem na filtragem e purificação – assim como na derrubada de certos preconceitos gustativos, se for para consumo humano – mas, devidamente hidratado, Tião recupera o Saara e o semiárido nordestino em dois tempos, e ainda sobra xixi pro Atacama, Gobi, Kalahari e Brasília. Ele deve metabolizar o hidrogênio e o oxigênio da atmosfera, usar sua agitação constante (Tião tem TDAH) como fonte de energia e produzir água, só pode.
Em outro momento, quando estiver novamente sem assunto – e sem disposição para escrever sobre bloqueio criativo – contarei como o Tião é pidão (a exemplo da segunda mulher do marido da Amélia, tudo que ele vê ele quer), como é seletivo em termos de alimentação (primeiro come, depois procura saber se era comestível) e retomo a questão da compulsão mictória (como no dia em que vieram instalar o novo split – e ele mijou na caixa quando ela chegou, no split velho quando foi retirado e colocado no chão, e no condensador novo assim que o desencaixotaram. Só não batizou o evaporador porque este foi direto da caixa para a parede – e lá em cima o Tião ainda não alcança).
Pronto, já não sou um pai de pet tão incompleto assim. E prometo nunca mais tocar em assuntos escatológicos. A não ser que a Duda…
