Crônica, por Eduardo Affonso: Sem espóiler! (contém espóileres)
Só há uma coisa pior que alguém que dá espóiler de filme. É quem diz: – Não vou dar espóiler, mas o final é surpreendente

Só há uma coisa pior que alguém que dá espóiler de filme. É quem diz:
– Não vou dar espóiler, mas o final é surpreendente.
Pronto, acabou com a surpresa da surpresa no final. Vou passar o filme inteiro esperando algo que me surpreenda O que, convenhamos, acaba com qualquer possibilidade de eu ser surpreendido.
Se for um filme de suspense, não vou aceitar menos do que o assassino ser a vítima e a vítima ser o assassino.
Ou que não haja assassino nem vítima, e tudo tenha sido um delírio do cachorro que aparece fazendo xixi no poste, num livro que um figurante folheia numa cena de dez segundos, nos créditos de abertura.
Por isso preciso ver “Conclave”, o quanto antes. Não para evitar que algum desavisado e sem noção me conte o final, mas para que eu pare de inventar finais para um filme que ainda nem comecei a ver.
Sabendo que o desfecho será inesperado, começo a esperar qualquer coisa. E há o sério risco de o inesperado ficar muito aquém do que andei esperando.
Imagino o cardeal Lawrence (Ralph Fiennes) arrancando a máscara e revelando ao mundo que ele é Ethan Hunt, personagem de Tom Cruise em “Missão impossível”. Aí a câmera se afasta e vemos que aquilo tudo era uma peça de teatro, como em “O discreto charme da burguesia” – mas Hunt/Fiennes está morto desde o início, como em “O sexto sentido”.
(Pronto, já dei, sem querer, espóileres dos filmes do Buñuel e do Shyamalan. Foi mal.)
Dizer que há um final surpreendente é te avisar que vão fazer uma festa surpresa. Perguntar como você quer o chá de revelação, e você ainda nem sabia o resultado do teste de gravidez. A pessoa te mandar nudes antes que você comece a desejá-la. E isso não se faz.
Esta semana, sem falta, vejo “Conclave”. Atento a todas as possibilidades de virada de roteiro.
Talvez o papa que morreu e o novo papa sejam a mesma pessoa, como em “Clube da luta”.
Ou o papa já estivesse morto há muitos anos, sendo mantido no porão, numa cadeira de balanço, como a mãe de Norman Bates, em “Psicose”.
Ou o cardeal Lawrence seja filho do finado papa (“Eu sou seu papa”, teria dito o pontífice, antes de abotoar a batina), como em “Star Wars”.
(Caramba, acabei dando mais espóileres!)
Ok, vou ver o filme hoje mesmo. Antes que – deus ex-machina! – uma escola de samba invada a Capela Sistina, o mestre-sala jogue purpurina no fogareiro, fazendo com que a fumaça não saia preta nem branca, mas verde e rosa – e o novo bispo de Roma seja o Paulinho da Viola, que é portelense.
(Se o final surpreendente for menos que isso, eu quero meu ingresso de volta.)
