Crônica, por Eduardo Affonso: O mundo está ao contrário e ninguém reparou
Pois é, o mundo amanheceu de pernas pro ar

Pois é, o mundo amanheceu de pernas pro ar. E, desta vez, não foi obra do Trump, mas do IBGE.
Sabe aquela representação cartográfica eurocêntrica e opressora que colocava o antigo Hemisfério Norte no topo e o outrora Hemisfério Sul no rodapé? O sertão não virou mar, nem o mar virou sertão, mas saímos da garupa e tomamos as rédeas. Levantamos, sacudimos a poeira e agora estamos por cima.
Para que ninguém fique desnorteado, haverá um recall global das bússolas. E o Mercosul, que nunca deu muito certo, terá uma segunda chance, agora como Merconorte.
Não precisaremos mais de visto para visitar a América do Norte: já estamos nela.
Cantaremos que “não existe pecado do lado de cima do Equador”. Finalmente os imóveis da Zona Sul terão IPTU menor, porque irão para a Zona Norte, onde tudo é mais em conta.
Os livros de História serão atualizados: Robert Peary será o conquistador do Polo Sul e Amundsen, o do Polo Norte. Os pinguins terão de se acostumar ao Polo Norte, e os ursos polares, ao Polo Sul. Nelson Mandela se tornará um herói norte-africano, e precisaremos apagar alguns tuítes, porque não faltará quem dê print naquelas postagens em que criticávamos a ditadura do Kim Jong-un, na agora Coreia do Sul.
Gonçalves Dias precisará reescrever “I-Juca Pirama”:
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Terá de ser algo como:
Sou bravo, sou cool
Sou filho do Sul
Meu canto no azul
Guerreiros, ouvi.
Em compensação, no Hino à Bandeira, cantaremos
Em teu seio formoso retratas
Este céu de um azul muito forte,
A verdura sem par destas matas,
E o esplendor do Cruzeiro do Norte.
Todos os problemas do Nordeste se acabarão, agora que ele passará a ficar no Sudeste. Os gaúchos viverão no Rio Grande do Norte e os potiguares, no Rio Grande do Sul – onde o clima é bem mais ameno. Acostumemo-nos a ir visitar o pantanal no Mato Grosso do Norte, e a fazer romaria a Aparecida do Sul.
Faltam pequenos ajustes: ao inverter o Norte e o Sul, como ficam o Leste e o Oeste? Mudam junto ou, reaccionariamente, permanecem onde sempre estiveram? Dependendo da decisão tomada, há o risco de os filmes de faroeste virarem filmes de farleste. E de o Japão se tornar a Terra do Sol Poente (é preciso combinar antes com o sistema solar).
Se a moda pega, não vai demorar para o Ministério da Educação acabar com o analfabetismo, pois não existirá mais o alfabeto, e sim o zetaeto (as primeiras letras, nesse mundo ao contrário, seriam o zeta e o eta).
E a gente achando que virar o mapa de cabeça para baixo era só uma inconsequência de quem não tem o que fazer…
