Crônica, por Eduardo Affonso: Marilda, Osvaldo, Ravi, Margot e Mavie
– O meu problema, Marilda, é que você não precisa se levantar de madrugada para ver se o Davi Artur está com frio, com fome ou de bruços porque...

– Marilda, aonde você vai?
– Vou ver se ele está chorando.
– Ele não está chorando, Marilda. Volta pra cama.
– E esse barulho?
– Deve ser a rede na varanda, balançando por causa do vento.
– Ele pode ter virado de bruços. E você sabe que…
– Você sabe que, se ele foi colocado de barriga pra cima, não vai amanhecer de bruços.
– Pois é, mas esse vento… Ele pode estar com frio.
– Marilda…
– O que é, Osvaldo? O que foi? Fala, abre o jogo. Qual é o seu problema?
– O meu problema, Marilda, é que você não precisa se levantar de madrugada para ver se o Davi Artur está com frio, com fome ou de bruços porque…
– É Ravi Arthur, Osvaldo. Ravi, com R. E Arthur, com TH.
– … porque o Ravi-com-R-Arthur-com-TH é de plástico!
– Silicone, Osvaldo. Silicone! Igual ao meu peito, e você nunca achou que meu peito fosse menos digno de atenção por causa disso.
– Marilda, vamos trazer o berço do Ravi Arthur de volta aqui pro nosso quarto e resolvemos o assunto, tá bom?
– Ele precisa dormir sozinho para adquirir autoconfiança, autonomia. É parte do processo de amadurecimento. A pediatra que eu consultei na internet falou. Sem contar que… você sabe… há coisas que é estranho fazer na frente dele.
– Que coisas, Marilda? Desde que esse boneco de borracha chegou aqui que nós não…
– Boneco de borracha, Osvaldo? Boneco de borracha? Ele é látex do meu látex!
– Marilda…
– Não encosta em mim! Ou eu vou ter que te lembrar do que tinha naquela mala, em cima do armário. Lembra? Lembra, Osvaldo? Uma coleção de “Ele & Ela” e a (faz sinal de aspas com os dedos) a “Margarete”!
– Margot.
– Margot. Com T no final, eu suponho. Eu me casei com um homem que tinha em cima do armário, trancadas numa mala, uma coleção de “Ele & Ela” e uma boneca inflável chamada Margot. Quem é você para falar do Ravi Arthur?
– Marilda…
– E as algemas de pelúcia? A quem você achava que ia enganar com aquilo?
– Amor…
– “Tigrão”. Lembra dessa palavra? Que era para usar na hora H? E a idiota aqui falava, pra você se achar mesmo um “”””tigrão”””” (agora com quatro pares de aspas).
– Mô…
– Sua mãe tinha samambaia de plástico na sala. Eu alguma vez falei alguma coisa, Osvaldo? Alguma vez mencionei que sua mãe borrifava água na samambaia de plástico da sala?
– …
– …
– Deita, Marilda. Deixa que eu vou lá ver se o Ravi Arthur está bem. Se não está com frio, nem com febre. Se não virou de bruços.
– Bota um casaquinho nele.
– Tá.
– O azul, não o rosa.
– Ele tem casaquinho rosa?
– Ele, não. Mas eu comprei. Para a Laura Mavie.
– Quem é Laura Mavie?
– Eu ia te contar no chá de revelação, na quarta. A transportadora deve entregar na terça. Aproveita e na volta me traz pipoca com shoyu, que eu estou com desejo.
– Mas não tem pipoca em casa.
– No mercado 24 horas tem.
– Marilda!
– Quer mesmo conversar sobre a Margot, o uniforme de normalista, as algemas de pelúcia e a samambaia de plástico da sua mãe?
– Pipoca doce ou salgada?
– Doce. E passa na farmácia e traz Dramin, que a Laura Mavie está me dando um enjoo que eu não tive na gravidez do Ravi Arthur. Nunca mais peço o delivery por essa transportadora.
– Mais alguma coisa?
– Não. Só isso, “tigrão”.
