Crônica, por Eduardo Affonso: Invenções
Há quem sonhe com grandes invenções, daquelas que transformam o mundo

Há quem sonhe com grandes invenções, daquelas que transformam o mundo. Por exemplo, o teletransporte, que dará fim aos congestionamentos no trânsito, às esperas pelo elevador, derrubará os preços das passagens aéreas (pensando bem, acabará com as companhias aéreas, o que será uma doce vingança pelo lanchinho ridículo que andam servindo) e causará danos irreparáveis à privacidade (com as pessoas se materializando, do nada, na nossa frente – estejamos nós no banheiro, no motel ou fingindo não poder atender agora).
Há grande torcida pela cura do câncer e da calvície, pela vacina anticárie, pela colonoscopia virtual, pela melancia sem semente e pelo abacaxi com casca de mexerica.
Eu, não. Eu anseio por invenções ainda mais espetaculares, capazes de revolucionar a civilização e elevar a Humanidade a outro patamar – mas que talvez ainda estejam longe de ser viabilizadas, tecnicamente.
Uma é um aparelho que permita à pessoa ouvir música, podiqueste, o que quer que seja, sem que os que estejam à sua volta tenham de ouvir também. Você poderia, por exemplo, escutar funk ou sertanejo na altura que quisesse, em qualquer horário, onde bem entendesse – e as pessoas no seu entorno continuariam conversando, curtindo o silêncio, lendo ou mesmo ouvindo outra coisa (um chorinho, um blues, um samba…).
A invenção consistiria em dois fones ou plugues que seriam colocados junto do ouvido, com ou sem fio, isolados ou unidos por uma haste, e o som não se espalharia. Imagino que essa invenção poderia se chamar, na falta de ideia melhor, “fone de ouvido”. Imagine como isso tornaria mais agradável o ambiente na academia, no ônibus, na praia…
Outra megainvenção consistiria numa pequena luz, que poderia ficar acoplada ao farol traseiro do carro, e que acenderia de forma intermitente, indicando para que lado o motorista quer ir. Isso evitaria muitos acidentes: você saberia para onde o carro à sua frente iria virar, ou se iria mudar de faixa. Não seria maravilhoso? Talvez a indústria automobilística leve tempo para adaptar o design dos automóveis a esse novo elemento, e os motoristas precisem passar por uma reciclagem para aprender a acionar o mecanismo – que poderia se chamar, sei lá, “seta” ao algo assim.
Às vezes, a invenção nem é algo material, mas linguístico. Sabemos que o idioma é um organismo vivo, em constante mutação, e não creio que seja tão difícil introduzir uma nova palavra. Principalmente se for curta, de fácil memorização. Tipo… “não”. O “não” seria usado quando você não quisesse alguma coisa: um produto, um convite, uma sugestão. Bastaria dizer “não” e o vendedor, a pessoa interessada em você (e pela qual você não tem interesse nenhum) ou a que deu um pitaco (totalmente equivocado) saberiam que não, você não está a fim. E não insistiriam.
Já pensou em como isso facilitaria nossa vida? Poderia vir em vários modelos: o educado (“Não, obrigado”), o fofo (“Nana, nina, não”), o enfático (“Não, não quero”) e o elíptico e hiperbólico (“Nem f******) – mas, na maioria das vezes, apenas o “não” básico, standard, bastaria para saberem que você não quer aquele folheto, não quer táxi no aeroporto, não quer conhecer a palavra da salvação, não quer intimidade nem fazer assinatura da revista, mudar de plano de telefonia ou participar da promoção imperdível.
Talvez com a inteligência artificial invenções desse tipo possam ser aceleradas. Não queria morrer sem desfrutar de tecnologias avançadas assim.
