Crônica, por Eduardo Affonso: Em busca do par perfeito, do homem ideal
Uma conversa fictícia entre Jussara e Marlene sobre relacionamentos

– Jussara, agora vai! Tenho fé que, agora, vai.
– De novo, Marlene?
– Vai, Jussara. Não é aquela roubada de Tinder, Par Perfeito, deuzulivre. É um aplicativo ótimo, sério. De namoro mesmo.
– Onde foi que você descobriu esse?
– O Júnior, conversando com um amigo dele, comentou. Não que eu fique ouvindo as conversas do meu filho, que eu não sou disso. Mas eu estava limpando a sala, e não deu pra não escutar. Entrei lá no aplicativo e era bem como ele falou: só tinha homem.
– Você está num aplicativo de namoro só de homem, Marlene?
– Isso. Não é uma ideia ótima? Nos outros, tem aquele monte de mulher disputando com você, todas mais novas e mais fotoxopadas e com mais filtro. Nesse não, minha filha, é só os homens. Milhares. Um mais bem-apessoado que o outro.
– Marlene…
– E o interessante é que tem muito vegano, como eu.
– Você puxou esse papo de veganismo num aplicativo de namoro, Marlene?
– Não precisei. Eles mesmos colocam, do lado do nome, as coisas que gostam. E a maioria coloca uma berinjela.
– Marlene…
– Não só berinjela, claro. Tem pêssego também. E banana. Não é bonito, isso? Pessoas saudáveis, consumindo orgânicos…
– Marlene, olha…
– … e alguns incluem o ícone de um porquinho, mostrando apoio à causa animal!
– Marlene…
– Tem um monte que quer compromisso, porque põe também um anel de brilhante. Em que saite de namoro alguém bota anel de noivado, criatura?
– Marlene…
– E gotas d’água! Isso eu não sei bem o que significa, mas deve ter algo a ver com natureza, com gostar de cachoeira, sei lá. Homem que ama a natureza, Jussara! Tudo o que eu sempre sonhei em encontrar…
– Marlene…
– Outros querem filhos, tanto que incluem ícones de mamadeira. Vê lá se o Silas ia colocar uma mamadeira no perfil dele num saite de relacionamento, se existisse saite de relacionamento naquele tempo!
– Olha, Marlene, eu acho que…
– Alguns não só querem noivar, casar e ter filhos: querem também brincar com eles. Vários perfis têm foguetinhos. Ou um balão. E são pessoas empreendedoras, porque uns colocam cifrões ao lado do nome. Não que eu precise de um homem provedor, mas… não é tudo de bom, Jussara? Um bocado deles tem carro e até casa própria, porque botam lá um carrinho, uma casinha… e uma chave, para dizer que é só chegar e entrar…
– Marl…
– E são pessoas interessadas em descobrir o que há de melhor em você: uns fazem questão de deixar isso claro com um homenzinho encapotado segurando uma lupa. E, para mostrar que são pessoas doces, colocam balinhas, pirulitos.
– Mar…
– E a espiritualidade? Acredita que muitos usam um fantasminha, possivelmente indicando que são espíritas? Outros põe punhos, que eu acho que é para demonstrar a força da fé. Uma fé que vence tudo – tanto que põem não só punhos, mas também correntes a serem quebradas!
– M…
– Eu estou interessada num canadense – sei que é canadense porque tem uma folhinha de plátano no perfil dele –, que me tratará como uma rainha – porque tem lá uma coroa – e ele até informou o horário em que está disponível: 4:20. Já são 4h e eu queria ver se conhecia esse moço hoje ainda. Jussara, volta aqui, Jussara! Meus Deus, que mulher mais amarga, mais sem fé na humanidade… Depois fica sozinha e não sabe por quê. E ainda diz que a ingênua e sem noção sou eu.
