
Sou dependente químico.
Pronto, falei.
Dependo da eszopiclona para dormir e da cafeína para me manter acordado.
Essas duas deviam entrar num acordo, permitindo que o sono e a insônia fizessem as pazes, deixassem os territórios ocupados (o sono entregaria o dia; a insônia devolveria a noite) e seríamos todos felizes para sempre. Menos os laboratórios farmacêuticos e a cafeicultura nacional.
Dependo da sacarose, da glicose e da frutose. Café sem açúcar, só quando quero impressionar as visitas. Na vida real, não rola.
Tenho síndrome de abstinência de goiabada, ambrosia, figo em calda, pudim de leite moça. E, como não podia deixar de ser, do próprio leite moça.
Dependo do álcool etílico para a cerveja na praia, para a caipirinha de fim de tarde, o chope de início de noite – ou o gin tônica na saideira.
Dependo de proteínas, carboidratos, lipídios e sais minerais a cada refeição. E da testosterona a cada interação social ou comigo mesmo (é a ela que devo a moldura, cada vez mais branca, desta barba, e a manutenção do humor, quando a coisa tá braba).
Sou, como Rita Lee, dependente do amor. Ou seja, dos feromônios, da noradrenalina, da dopamina, da endorfina, da oxitocina – e da companhia canina.
Estou limpo, há um bom tempo, de beijos e abraços, mas careço de várias doses diárias de lambidas, rabos abanando e olhares pidões.
Tomo a mescalina de mim mesmo cada vez que me sento para escrever, para reler o que escrevi, para me colocar diante da página/tela em branco traduzindo o que talvez me traga alguma paz.
Já fui viciado em xarope (era criança de tomar Benadryl no gargalo, às escondidas) e cheguei a ser hospitalizado, ali pelos três anos de idade, por overdose de Melhoral Infantil (detonei uma cartela inteira e minha mãe me encontrou ligeiramente chapado, com as faces muito rosadas e um humor melhor que o recomendável para aquela faixa etária).
Depois vieram os descongestionantes nasais (ainda tenho recaídas) e o sal de frutas (na sua falta, valia sonrisal, alcacélcer ou mesmo cebion).
No processo de redução de danos, os antiácidos efervescentes acabaram substituídos por água mineral com gás – vício hereditário, cultivado há quatro gerações, desde que meu bisavô Manoel Raposo descobriu – ao sair para caçar lobisomem! – a fonte de água carbogasosa ainda hoje chamada Águas do Raposo.
Com tanta adicção, quem precisa de droga ilícita?
