Crônica, por Eduardo Affonso: Admirável Mundo Novo
"Ele trabalha em romiófice, negociando criptomoedas..."

Ele trabalha em romiófice, negociando criptomoedas. Não conhece pessoalmente seus clientes: todas as reuniões são via Zoom ou Meet – e, como a casa está sempre bagunçada (o aspirador robô não dá conta de tudo), usa um filtro simulando biblioteca, ao fundo.
Não tem livros – só Kindle. Nem discos – ouve música no Spotify ou Deezer. E sempre acionando a Alexa (“Alexa, toca aquela do Milli Vanilli”).
Também é Alexa quem acende e apaga as luzes, faz ligações, envia mensagens, organiza a agenda. Uma agenda nem tão apertada assim, porque os amigos são todos do Instagram, Twitter, TikTok, Pinterest e LinkedIn. No Facebook ainda tem alguns, mas cada vez menos (não gosta de gente muito acima da sua idade).
Às vezes combinam ver algum filme juntos na Netflix, no Mubi, na HBO. Mas “juntos” quer dizer ao mesmo tempo, cada um na sua casa, trocando comentários pelo Skype.
Só tem conta no Nubank, e o cartão de crédito é virtual. Tudo que precisa é comprado na Amazon, no Mercado Livre, na Temu. Não se lembra da última vez em que esteve numa loja física. Fez prova do Detran num simulador, baixou a CNH digital e nunca dirigiu. E não tem saudade – nem do shopping nem do trânsito.
Por algum tempo gerenciou uma lan house no Second Life, mas passou a achar aquilo artificial demais depois que comprou óculos de realidade virtual e aumentada. Teve um tamagotchi, que foi abandonado quando descobriu que caçar pokémons era muito mais excitante.
Para calar a boca de quem o considera antissocial, frequenta várias comunidades online e bate longos papos, diariamente, com o ChatGPT – a quem já considera como melhor amigo e confidente. A mãe reclama que ele não aparece mais – o que é meia verdade, porque Alexa manda sempre parabéns no dia do aniversário dela e ele mesmo deseja feliz Natal, todo ano, via WhatsApp.
Usando um avatar 3D criado por I.A., abriu uma conta no Tinder – onde só se envolveu com perfis falsos. A última decepção foi quando descobriu, pelo Fake Photo Checker, que a modelo eslava Katja Vronskaya – para quem, inclusive, já havia enviado três bitcoins e uma caixa de chocolate branco – era um detento de Bangu 2.
Afundado numa Eames Lounge Chair comprada na Shopee e cercado de retratos seus feitos pelo Studio Ghibli, ele agora sonha em se casar com uma boneca inflável e, adiante, quando a relação estiver mais consolidada, terem um bebê reborn.
