Cineasta Fernanda Schein faz paralelo entre “Adolescência” e cotidiano
"Todos nós já passamos por um dia que parece interminável. Aquele em que o despertador não toca, o café derrama na correria"

Todos nós já passamos por um dia que parece interminável. Aquele em que o despertador não toca, o café derrama na correria para sair de casa, a reunião começa sem você, o almoço acontece entre notificações do chefe, a pressa na volta resulta em uma blitz policial, e, ao chegar em casa, ainda há a bagunça do café da manhã para limpar. Quando finalmente deita na cama e respira fundo, parece a primeira pausa do dia. Esse poderia ser o plano-sequência do seu estresse.
E é exatamente nesse ponto que “Adolescência” acerta ao escolher esse formato para narrar sua história. Cada episódio nos coloca ao lado dos personagens no pior momento emocional possível, sem tempo para processar nada. Os acontecimentos atropelam a capacidade cognitiva deles, o ritmo cardíaco acelera – até para quem assiste. A ansiedade transborda da tela.
Embora essa técnica tenha sido muito utilizada – e popularizada especialmente depois de “Birdman” (2014) –, poucas produções a exploraram de maneira tão longa, original e precisa como “Adolescência”. Séries como “True Detective”, “Mr. Robot”, “The Bear” e “Daredevil” já fizeram uso marcante de planos-sequências, mas aqui a escolha se destaca não apenas pela complexidade técnica, mas também pela forma como se alinha perfeitamente ao conteúdo da série.
Filmar em plano-sequência já é um desafio por si só, e essa produção teve coragem de fazer algo grandioso e inovador. Nos momentos finais do segundo episódio, há uma cena impressionante em que a câmera decola magicamente e voa pelo céu antes de pousar ao lado do ator Stephen Graham (Eddie Miller). Para realizar essa tomada, quando a atriz Ashley Walters (DI Bascombe) sai de carro, uma equipe prende a câmera a um drone por meio de um gancho. O drone sobrevoa a cidade enquanto o diretor de fotografia, Matthew Lewis, corre para uma van, dirige até o local final e, junto com sua equipe, desconecta a câmera do drone para então seguir filmando em um movimento contínuo. Um detalhe curioso que Barantini revelou ao “The Guardian” é que, no momento em que o drone pousa, é possível ver a van do diretor de fotografia entrando no estacionamento, evidenciando a precisão necessária para essa execução.
E se filmar um plano-sequência já é desafiador, imagine fazer isso com um ator adolescente de 15 anos, que precisa decorar texto e coreografia para uma cena de uma hora. Owen Cooper, que interpreta Jamie, um menino de 13 anos acusado de matar uma colega de classe, entrega uma performance notável – ainda mais considerando que esse é seu primeiro papel e que o tema é tão delicado. A mente de um adolescente é como uma panela de pressão, sempre prestes a explodir, e essa produção exigia que um jovem entrasse na mente de outro, cujos pensamentos eram extremamente perigosos. Para proteger a saúde mental de Owen, a equipe garantiu a presença de acompanhantes e um psicólogo no set o tempo todo. No Reino Unido, a presença de acompanhantes é obrigatória para menores de 18 anos, mas o suporte psicológico não é um requisito legal. No entanto, em uma produção com um tema tão sensível, era esperado que essa preocupação fosse prioridade.
Em entrevista ao Guardian, o diretor Philipp Barantini contou que, ao fim de cada take, todos os adultos estavam emocionalmente abalados, enquanto Owen, ao ser perguntado se estava bem, simplesmente respondia: “Sim, eu tenho uma partida de futebol para jogar, posso ir?”. O diretor observou que o menino estava fixado nesse jogo, talvez como um escape emocional depois de viver Jamie intensamente por uma hora consecutiva.
Mesmo como espectadora, precisei de alguns dias para processar a série antes de conseguir escrever sobre ela. “Adolescência” expõe realidades difíceis, e o que mais me marcou foi a forma como Barantini nos permite observar os personagens processando suas emoções em tempo real. No episódio 3, quando Jamie finalmente sai da sala e deixa a psicóloga Briony sozinha, vemos sua máscara cair. Erin Doherty entrega aqui uma atuação impecável, representando, para mim, um paralelo com a forma como as mulheres enfrentam o mundo. Assim como Briony precisa manter a compostura durante a conversa com Jamie, sem demonstrar como suas microagressões a afetam, muitas mulheres precisam vestir essa armadura todos os dias. Apenas nos momentos mais íntimos permitimos que o peso dessas experiências se revele – é uma questão de sobrevivência.
“Adolescência” é uma série realista e subversiva; um final feliz simplesmente não caberia aqui. Teria sido fácil construir uma narrativa clássica com um pai violento e uma mãe alcoólatra como justificativa para os atos de Jamie. Mas a verdade é que, na era digital, o ambiente de um adolescente se expande para além do lar. O mundo virtual é extremamente nocivo e muitas vezes incontrolável para os pais, seja por falta de letramento tecnológico, seja pela complexidade da linguagem que os jovens usam nas redes. A série não culpa os pais, mas há uma cena profundamente triste em que eles reconhecem sua parcela de responsabilidade. Como adolescente, eu também buscava privacidade no meu quarto, mas hoje a privacidade dentro de casa não protege os jovens da exposição a ideologias perigosas na Internet. Eu mesma passei madrugadas online – e tive sorte de nunca ter me colocado em uma situação de risco. Mas sabemos que grupos misóginos intencionalmente buscam adolescentes vulneráveis. Isso é assustador.
Os planos-sequências nos mantêm tensos o tempo todo, e o final não nos permite relaxar. Não há um desfecho hollywoodiano nem pontas amarradas – um lembrete de que, apesar de ser uma série, estamos falando de realidade. E a realidade é que ainda estamos longe de uma solução para esse problema.
Fernanda Schein é cineasta e editora de cinema, além de instrutora de ioga. Um dos seus últimos trabalhos foi o documentário “O Caso dos Irmãos Menéndez” (Netflix), que estreou em outubro, sobre um dos crimes mais famosos dos EUA: os irmãos que assassinaram os pais.