Andrea Natal: “A Hotelaria me deu o mundo que eu sonhava”
Mais do que um trabalho, hotelaria é uma escola de cultura e comportamento

Aos 18 anos, deixei Petrópolis rumo ao Rio de Janeiro, sem saber exatamente o que queria fazer. A decisão de estudar Hotelaria veio do conselho da mãe de uma amiga, e a ideia me encantou. Naquela época, o que eu mais desejava era viajar, conhecer o mundo, cruzar o Atlântico. A Hotelaria parecia ser a ponte entre o meu sonho e a realidade.
Ainda na faculdade, foi que vi um aviso no mural: o Hotel Méridien buscava estagiárias que falassem francês. Minhas amigas insistiram para que eu me candidatasse. Tímida, mas com dez anos de Aliança Francesa, fui — com minha mãe me acompanhando — e me aceitaram. Naquele momento, minha história na hotelaria começou. E pouco tempo depois, aos 20 anos, realizei meu sonho: atravessei sozinha o oceano Atlântico e fui para a Europa.
O ambiente do hotel era fascinante: profissionais do mundo inteiro, tripulações internacionais, um universo elegante e sofisticado, com uniformes assinados e uma operação à francesa, com especialista em queijos e até um açougueiro próprio. Mais do que um trabalho, era uma escola de cultura e comportamento. A cada turno, eu era transportada para outro mundo — e era isso que me movia. Naquela época, era raro ver brasileiros em posições de liderança, ainda mais mulheres.
O Méridien era o luxo da cidade. Nos anos 80, com o Brasil ainda fechado a importações, era ali que eu comia queijos franceses e chocolates suíços. Aquilo tudo me abria o olhar — e me impulsionava.
Com 23 anos, fui promovida e transferida para a unidade do grupo em Salvador. A cidade me recebeu com intensidade. O desafio era enorme: 500 apartamentos, grupos diários, um ritmo frenético. Tive vontade de desistir, mas uma amiga portuguesa, firme e generosa, me disse: “Você é mulher, precisa provar que consegue.” E ali fiquei. Me apaixonei por Salvador, pelo carnaval, pela alegria e pela força cultural da cidade. Levo esse laço até hoje e volto sempre que posso.
Tempos depois, em uma visita ao Rio, surgiu o convite para trabalhar em um hotel histórico que vivia um processo de reestruturação. Aceitei mesmo sabendo das limitações da época — nada de computadores. Tudo era feito manualmente: do controle de quartos aos relatórios estatísticos. Era uma outra realidade, mas, com o tempo, aquele lugar se tornaria meu lar por quase duas décadas. Literalmente.
Antes dos meus 24 anos no Copa, viajei por vários destinos: no Caribe, nas ilhas do oceano Índico, morei em Paris. Quando voltei ao Brasil, retomei minha carreira no hotel, onde eu acabaria morando por 18 anos.
Foi ali que vivi grandes desafios e momentos decisivos. Em 2009, fui diagnosticada com câncer de mama — jamais esquecerei como fui acolhida. Continuei trabalhando e morando no hotel, com total liberdade para conduzir meu processo de cura. No dia de um exame difícil, recebi uma ligação do meu CEO dizendo que eu teria todo o apoio necessário. Esse gesto me marcou profundamente — e me inspirou, mais tarde, a acolher outras pessoas da mesma forma. Nem todos têm o privilégio de enfrentar uma doença com estrutura, empatia e dignidade. Eu tive.
Depois da recuperação, mergulhei em novos projetos. Transformei espaços, inaugurei um restaurante que conquistaria uma estrela Michelin logo no primeiro ano; vivi a energia da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos; participei de eventos históricos. Foi uma fase vibrante, de reconhecimento e realização.
Algo que fez toda a diferença na minha jornada foi a autonomia. Eu podia criar, apresentar ideias, desenvolver projetos com liberdade e responsabilidade. Isso moldou minha forma de liderar: com visão crítica, coragem e foco em soluções. Criei eventos inusitados, como festas na piscina vazia e bailes que resgatavam tradições; trouxe marcas relevantes; integrei o hotel à cidade; busquei uma relação viva com o bairro ao redor. Para mim, era essencial que aquele espaço conversasse com o mundo real, com a comunidade.
Foi nesse caminho que conheci o Solar Meninos de Luz, instituição educacional no morro Pavão-Pavãozinho. Queria que nosso apoio social estivesse próximo, com presença real. Do encontro com o Solar, nasceu o projeto Cantores do Bem: ao lado de amigos apaixonados por música, organizávamos jantares beneficentes em que nos apresentávamos como cantores amadores. Toda a renda era revertida à instituição. Foi emocionante. Fizemos cinco anos de apresentações antes da pandemia. Desejo profundamente retomar esse projeto.
Depois desse longo ciclo no Copacabana Palace, tive a oportunidade de viver uma experiência internacional marcante: fui convidada para integrar a equipe do Hotel Fasano em Nova York, onde atuei por quase três anos. Foi uma vivência profundamente enriquecedora — mergulhei na cultura da hospitalidade Fasano, sempre impecável, discreta e sofisticada. De lá, recebi o convite para me juntar ao grupo Soho House, onde participei da abertura da primeira unidade da América do Sul. Foi uma virada: sair da hotelaria clássica e me lançar em um projeto totalmente novo, voltado para um conceito contemporâneo de hospitalidade, mais despojado, criativo e conectado com a comunidade local — uma experiência intensa, desafiadora e muito divertida, que ampliou ainda mais minha visão sobre o setor.
Hoje, quando olho para minha trajetória, vejo que ela foi construída com propósito. A Hotelaria me deu o mundo que eu sonhava, mas me ofereceu algo ainda maior: a chance de transformar realidades, desenvolver pessoas e construir conexões verdadeiras. Começou com o desejo de viajar, e acabou me levando para dentro de mim mesma.
Andrea Natal é hoteleira com mais de 30 anos de experiência. Atuou como diretora-geral de grandes hotéis no Brasil e no exterior. Hoje se dedica à consultoria em hospitalidade, liderança e excelência.