Ana Beatriz Nogueira: volta de peça, esclerose múltipla e “otras cositas”
Depois de 15 anos, atriz volta a encenar “Tudo que eu queria te dizer”, adaptação do livro de Martha Medeiros

Ana Beatriz Nogueira é Renata, Andressa, Clô, Dirce, Clarissa e Vanda. Com cada personalidade exposta, alguém da plateia se identifica no monólogo “Tudo que eu queria te dizer”, do livro de Martha Medeiros publicado em 2008, dirigida por Victor Garcia Peralta. Depois de algumas apresentações online na pandemia e 15 anos depois de ter encenado em várias cidades do país, a atriz está de volta com a releitura do texto, a partir de sexta (09/04), em curta temporada, no Teatro PRIO, no Jockey, na Gávea.
Em cena, Ana não muda de figurino — e nem precisa! À época da primeira temporada, os críticos adoraram, incluindo o aval da temida Bárbara Heliodora (1923-2015): “Ana é uma intérprete única, faz um belo trabalho, sem exageros, com muita riqueza emocional e leitura sensível e clara”.
Ela interpreta uma coletânea de cartas escritas por personagens fictícios que se encontram em situações de dor, arrependimento, saudade e desejo de se comunicarem com pessoas que, por alguma razão, não podem mais ouvir ou responder, como, por exemplo, uma mãe que lida com a perda de um filho, uma amante que escreve para a mulher traída, uma filha que escreve para o avô ausente, vício em drogas e outras experiências difíceis. “A proposta sempre foi um belo exercício, despojado de cenário e figurinos. Todas essas mulheres que interpreto estão vivendo momentos-limite de desabafo, de mudanças na vida”, explica a atriz.
O último trabalho na TV foi em “Mania de voce”, quando precisou sair em dezembro, por problemas de saúde. Uma das causas seria o calor excessivo no set e, pela esclerose múltipla, doença neurológica diagnosticada desde 2009, a intolerância ao calor é um sintoma comum. Esteve de licença médica em janeiro e fevereiro, mas com a cabeça a toda.
1 – Depois de 15 anos, você encontrou algum outro ponto de vista no texto?
A Marta me deu a licença do livro para dar voz e corpo a essas criaturas que estão escrevendo. Não muda muito porque as criaturas não mudam. Em 15 anos, a gente acha que mudou, que foi uma loucura, mas depende – não mudamos em todas as questões, em todos os quesitos, em todas as coisas. Mas na peça estão todas em um momento de desabafo, então é uma situação bem específica. Eu só mudo de posição, faço tudo com uma roupa neutra, sem nada; é um palco nu, e isso é um exercício maravilhoso. Eu imagino que, se o outro estiver vendo como eu vejo, então eles estarão vendo roupas variadas, penteados variados, fica a cargo de cada um. Podem me vestir como quiser. E a Marta é muito bem-humorada, e bom humor é sinal de muita inteligência. Ela não exclui ninguém, fala com todo mundo. E o que mudou? Imagino que tudo que eu achava que estava pequeno estou fazendo menor ainda, no sentido de menos é mais. Está mais essencial, mais no osso.
2- Já viveu alguma situação de alguma das seis?
A Vanda. Na época, eu não tinha isso, mas agora tem uma coisinha parecida, que é quando você fica impressionada com alguma coisa que lhe disseram, essas coisas esotéricas que você se arrepende de nem sequer ter perguntado. A Vanda foi a uma cartomante e tem que digerir tudo que ela escutou. Já aconteceu de eu fazer um mapa e a pessoa falar que se tal coisa foi difícil, eu não sabia o que vinha por aí. Era melhor ficar, nesse caso, na ignorância.
3 – A pessoa sai de lá com alguma reflexão. Teve algum retorno de público?
Nesse sentido, não; talvez pelas histórias serem breves. Elas não aprofundam, mas jogam a questão. Na época, fui do Oiapoque ao Chuí com a peça e o que percebi era que as pessoas ficavam alegres, existia um encantamento. O retorno era de as pessoas comentarem que conhecia alguém exatamente como um dos personagens, mas nenhuma confissão profunda, não.
4 – Como foi sua saída da novela?
Não posso gravar muito tempo em lugares muito aquecidos; não posso fazer sauna, por exemplo. Só que o Rio, nesse verão passado, foi especialmente quente, porque as criaturas estão acabando com o Planeta, e vai piorando. Quando chegou o verão, coincidiu de eu estar gravando em lugares assim – foi uma coincidência chata. Tive um mal-estar imenso e não podia piorar um quadro que estava todo bonitinho. Tive diagnósticos (além da esclerose múltipla, ela descobriu um câncer no pulmão, em 2022, retirado em estágio inicial). Você nasce, cresce etc. e aprende a palavra diagnóstico, assim como as outras. E são só diagnósticos. Tudo o que foi medo, veio tanta coisa depois, mundos e mundos. Sinto medo quando não tenho fé, e fé é o que não me falta.
5 – Como vive com a esclerose?
Eu tenho há 16 anos. É uma doença crônica, assim como diabetes, assim como várias outras; no meu caso, é uma forma mais amena. Diabetes também não tem cura, e ninguém fica falando sobre ela. Quando você tem uma doença autoimune, fica sabendo de mais de 800 delas que nunca imaginou que houvesse. A gente é ignorante em relação a muita coisa. Aprendi bastante nesses 16 anos e tenho a bênção de poder tratar. Fico pensando: quantas pessoas têm EM sem ter condições de se dar um tratamento muito legal, então me sinto privilegiada. Tive um blog durante anos sobre EM, “Qual é o Pensamento?”, mas depois não consegui mais responder. Eu traduzia tudo que saía em revistas científicas lá fora, pedia à minha médica que contasse sobre os novos tratamentos – era um serviço. O blog até virou Instagram, mas não deu pra passar tudo.
5 – Qual o seu lugar no mundo tecnológico? Porque seu Integram tem quase 400 mil seguidores…
Eu e a tecnologia não andamos juntas. E tem sempre uma santa, um santo que faz, que me ajuda, porque eu sou uma peça dinossáurica. Tenho Instagram porque ele foi feito pro teatro e ajuda demais a divulgar o nosso trabalho e o dos colegas, a nossa música, a nossa cultura. Tenho muitos seguidores, mas muitos deixando de seguir quando eu me manifesto politicamente. Não ligo porque, às vezes, a gente precisa ter uma posição e não dá pra agradar a todos. Nem vou comentar porque não quero ser processada novamente (ela e outros artistas foram processados por críticas feitas, nas redes, sobre o caso Mariana Ferrer, em 2018, à tese de “estupro culposo” defendida durante o processo). Quando eu vejo que o tom é agressivo, não leio porque é muito desproporcional. Se vão gostar mais ou menos de mim, não importa, mas procuro ser gentil.
6 – “Todo mundo no Rio”… Como tem visto esse frenesi na cidade?
Lady Gaga no Rio, e eu tô quietinha na minha casa. Vejo tudo pelo jornal de papel (gosto de ler em papel). Então tenho visto o movimento por ali, porque não fico assistindo à TV, pois teria que ser uma pessoa sem sentimento nenhum – fico arrasada com cada coisa que eu vejo, e não dá pra ficar arrasada todo dia. A gente não precisa fazer a avestruz e botar a cabeça no buraco, mas dá pra ler um jornal numa velocidade que não é a de uma metralhadora.
7 – Teatros sempre lotados na cidade. Pretende fazer uma turnê com a peça?
Não foi só a pandemia que devolveu o público ao teatro: foi um conjunto envolvendo saúde, economia, política, governo, prefeitura, governos estadual e federal. O resultado do atual momento me deixa muito alegre por todos nós. A peça vai ficar quatro semanas num teatro de 600 lugares. Preciso sentir o público, até para te dizer isso, porque eu estou revisitando um texto que continuo gostando, mas isso é a minha opinião. Então, preciso saber do público daquele teatro. São coisas que a gente aprende fazendo.
8 – Pra onde levaria um turista no Rio?
Pra ver minha peça (rsrsrs) porque é muito saborosa, alto astral… Fora que o Jockey tem estacionamento, o teatro é lindo, tem um monte de restaurante, os shows do Manouche, da Arena… Sou mais caseira e menos atlética, digamos assim. É muito importante pra saúde a gente fazer exercício, mas eu faço o que precisa ser feito, não sou do tipo ‘Oba! Tô indo lá pra academia!’. Gostaria de ficar viciada nesse negócio de endorfina, mas nunca consigo. Saúde é fundamental depois dos 50 supermais…. porque vou fazer 59… acabei de inventar esse termo. Sou uma pessoa pública controversa; seria péssima na carreira de celebridade. Acho que um paparazzi ficaria deprimido comigo: ou eu aceno, ou faço o símbolo de paz e amor, uma candura… O máximo é me pegar amassada e descabelada. Eu não gosto de dar entrevistas para revistas porque não tenho muito o que falar da minha vida pessoal — acho que as coisinhas da gente são da gente. Eu gosto de ser atriz. Ponto. A gente poder, cada um ser do seu jeitinho. Isso ser respeitado é muito bom.