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Por Lelo Forti, mixologista
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Um panorama dos impactos da pandemia em bares e restaurantes

Estabelecimentos fechados para sempre. Falência. Desemprego. A triste realidade do “novo normal”, que começou em 2014

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Atualizado em 3 ago 2020, 12h55 - Publicado em 3 ago 2020, 12h32

Hipódromo, Pizzaria Guanabara, Caverna Bar, Barzin, Cateto (SP), Restaurante Puro, Bráz da Barra e por aí vai. São dezenas, ou melhor, centenas de portas fechando todo santo dia Brasil afora. Estes são alguns dos muitos que já fecharam e é bem provável que esta lista só aumente nos próximos meses. Templos como Hipódromo e Guanabara já não existem mais. As aventuras de Cazuza nas madrugadas do Leblon já não serão mais contadas pelos perpétuos garçons da primeira pizzaria do Rio de Janeiro, fundada em 1964.  Poetas e compositores não terão mais o jogo americano de papel do Hipódromo para anotar suas inspirações entre um chope e outro. A realidade é cruel, dura e solitária. Palavras não confortam. Pedidos de ajuda muito menos. Estamos falando aqui de sonhos, de vidas dedicadas ao serviço que foram embora assim, dentro deste péssimo “novo normal”.

A reflexão é uma só: atrás de cada porta fechada, existe um sonho que acaba. Anos de dedicação, tradições e expectativas evaporadas como álcool etílico. Dezenas de desempregados, muitos credores incertos e somente uma pergunta: quando e como sair dessa?

Vamos voltar no tempo. 2014. Ano inesquecível. Teve Copa do Mundo em solo brasileiro, começava a operação Lava Jato. Dos protestos contra a corrupção nas obras de estádios, estações de trem e metrôs inacabadas até a promessa de prosperidade do pré-sal, os estaleiros em franco desenvolvimento, o boom da construção civil. Talvez você não perceba, mas a crise (ou seria pandemônio?) econômica que vivemos hoje começava ali.

Como esquecer os escândalos de Sérgio Cabral e sua trupe? Sabe aquela famosa “farra dos guardanapos” na França? Pois é. Lembra do Eduardo Cunha?  O “Todo poderoso” de Brasília, saboroso e amargo fim.  E da bagatela de 51 milhões de reais em malas e caixas de papelão no apartamento em Salvador? Refrescou a memória? Pequenas lembranças que mudaram nossas vidas. Não foi a Covid. Esta doença maldita mata nosso povo que sofre as mazelas de um sistema de saúde falido há décadas. Doenças e epidemias sempre existiram. De tempos em tempos o homem sofre com elas. Das sete pragas do Egito Antigo até o coronavírus. A grande semelhança disso tudo é que sempre foram homens como Serginho 30 (apelido carinhoso dos tempos de Cabral na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro) que administravam a vidas das pessoas.

Os comerciantes brasileiros, em especial, os cariocas, acreditaram que a chegada da Copa do Mundo e das Olimpíadas seriam indícios de prosperidade e criação de novos empregos. Assistimos, empolgados, à construção de dezenas de hotéis na cidade, fábricas de veículos chegarem, sem contar o extraordinário porto em Itaboraí. Que sonho. Tudo perfeitamente possível e necessário, se não fosse um único detalhe: estamos no Brasil. Este país, lindo e fenomenal que amamos e que, às vezes, nos machuca tanto.

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Quando a Lava Jato passou por cima destes e outros tantos políticos e empresários do Brasil, percebemos o tamanho do iceberg da corrupção. A montanha de gelo que afundou o Titanic em abril de 1912 é uma pedra de gelo no meu Macallan perto deste monstro. Quando descobriu-se que a Petrobras sangrava igual hemorragia nossa economia parou. Assistimos atônicos e perplexos, mas, como brasileiros, estávamos acostumados ao imbróglios da podridão política da nação. Lembro dos protestos de 2013/14, quando, nas ruas, os cartazes pediam mais hospitais, menos estádios. Lembra disso? Olha que coincidência. Grande parte dos estádios erguidos para não mais do que meia dúzia de partidas de futebol poderiam ter sido dezenas de hospitais que hoje, provavelmente, teriam feito a diferença e, com certeza, diminuído o fatídico número de quase 100 mil mortes até agora. Manaus sofreu muito com a falta de hospitais e ainda assim abriga um dos estádios mais caros da Copa, estádio esse que nem pra Hospital de Campanha serviu. Confesso que essa reflexão me entristece muito. Ao mesmo tempo que ajuda ao exercício de entender que poderia ter sido diferente.

Desde o final das Olimpíadas, somos testemunhas da decadência da construção civil, da diminuição do poder de compra dos brasileiros. A Petrobras tenta, de alguma forma, estabilizar seus números. O sonhado porto de Itaboraí virou um grande talvez. As coisas vêm fechando, uma a uma desde então. A diferença é que não foram em massa como agora e tão divulgadas nas redes sociais como nos dias de hoje, onde a mídia individual de um celular tornou-se voz e arma do cidadão.  Se você ainda não acredita falemos de tradição. Hipódromo e a Pizzaria Guanabara, somam, juntos, mais de 100 anos de existência e passaram por outras crises econômicas ao longo da história. Suportaram o Regime Militar. Trocaram de moeda e de planos cruzados, cruzeiros, cruzeiros novos, real. Viram o impeachment de Fernando Collor e Dilma, assistiram à prisão de cinco governadores cariocas, um Presidente da República e bravamente mantiveram as portas abertas. O sonho, para eles, agora acabou. Talvez, Cazuza tenha escrito a música “Ideologia” enquanto bebia doses de whisky no salão da Guanabara. Bem provável, nunca saberemos. Lembremos, pois, o que bem dizia em sua obra: “meus inimigos estão no poder”.

Muito vagarosamente estamos voltando ao trabalho ou ao que restou dele. Os protocolos sanitários e políticos estão sendo cumpridos, mas eu confesso que, se oportunidade tivesse, gostaria de conversar pessoalmente com alguns prefeitos e governadores, em especial aos excelentíssimos governantes do Estado de São Paulo e da prefeitura paulistana. Eu quero acreditar, mesmo que quase sendo impossível, que de alguma forma os senhores desejam realmente que isso acabe e que a população consiga sobreviver, primeiro à Covid, depois ao desemprego e à falta de alguma perspectiva de futuro.

A pergunta que eu faço a vocês é bem simples: o vírus não ataca em horário comercial? Ele só esta presente após as 17h? As restrições necessárias durante o dia podem, mas à noite não? É inacreditável o que estão fazendo com o comércio paulista. Bares e restaurantes abertos somente de 11 às 17 horas? What? Sabe o que está acontecendo: o que resta de fôlego e esperança estão indo pelo ralo, senhores, e antes que eu esqueça: seus cidadãos estão, todos os finais de semana, ajudando a alavancar a já sofrida economia carioca, pois, aqui, o comercio boêmio pode abrir, ainda que com dezenas de restrições, desde dia 2 de julho.

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O Rio está longe de ser exemplo para alguém durante a Pandemia. Aqui levantaram-se carcaças de hospitais de campanha que nunca funcionaram e alguns que foram ativados encerraram atividades devendo salários e horas extras a milhares de profissionais da saúde, estes também largados à própria sorte. Sem contar os escândalos recentes do desvio de verbas da saúde e das prisões em andamento. Porém o Rio soube contornar o caos da pandemia econômica, ainda que de maneira tortuosa. Sabe o chamado “Efeito Leblon”, que vocês tanto usam? Nós tiramos de lição para que nosso comércio de bares e restaurantes, principalmente os noturnos, pudessem aprender e se reorganizar para continuarem abertos. O resultado disso: desde o temido “Efeito Leblon”, as aglomerações e as denúncias sobre o assunto vêm diminuindo em quase toda a cidade, e, apesar de multas eventuais, hoje a Vigilância Sanitária e a Guarda Municipal trabalham muito mais na orientação e o comércio, responsavelmente, continua aberto, sobrevivendo, se adequando e suportando firmemente o enorme desafio de manter as portas abertas e vivo o sonho de empreender numa nação tão desigual.

Aos paulistas e mineiros que ainda precisam vir ao Rio para ter um pouco de lazer, agradecemos e os recebemos de braços abertos, com todo aquele espírito que só o carioca tem, só que agora com máscaras, álcool gel, cumprimento de cotovelos e um grande sorriso, mesmo que visível somente no olhar. Sejam todos muito bem-vindos.

Cheers.

 

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