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Por Lelo Forti, mixologista
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Balcão de bar é o ambiente mais democrático do mundo

Ontem, hoje, amanhã. Todo dia podemos inventar um motivo para celebrarmos

Por Lelo Forti
Atualizado em 12 nov 2020, 16h44 - Publicado em 12 nov 2020, 13h59

Irene nunca havia sentado no balcão de um bar. Sequer conhecia o termo mixologia, muito menos que por trás daquele balcão, quem atendia era um “mixologista” (termo chique para a glamourização do barman). Naquele sábado à noite, sua primeira vez a frente do universo das coqueteleiras, Irene ainda não sabia, mas sua vida estava mudando, para sempre. Mulher de meia idade, professora, divorciada, sem filhos, Irene passou mais de uma década dedicando se a profissão e ao casamento, dividindo o tempo entre provas escolares e ao hobby de escrever romances, nada profissional.

Depois da separação amigável com o agora ex-marido, um empresário paulistano, a professora Irene começou a viver sua nova vida, recuperando velhos prazeres e hábitos adormecidos. Dentro de seu pequeno apartamento no bairro do Flamengo, zona sul carioca, ela agora busca seguir seu destino, e uma das primeiras ações da educadora foi mudar o look e apresentar se aos convívios sociais, antes restritos, quase que exclusivamente aos encontros entre amigos, viagens em família e happy hours com seu ciclo de amizades. Nada fora da normalidade.

Agora, tudo pode ser feito diferente, sem regras, sem preocupações. Se engana, quem acredita que mulher não gosta, ou, ainda pior, que não sai de casa sozinha. As coisas mudaram, graças a Deus. O balcão, antes local basicamente masculino, agora abre espaço as mulheres, e, já esta bem comum ver as barras etílicas abarrotadas delas, apreciando coquetéis, (outro tabu que caiu por terra – mulher só bebe bebida doce). A onda agora, a qual Irene se deparou naquele sábado à noite, foi entrar em um bar, meio que sem rumo, e encontrar um balcão com muitas iguais, rindo, bebendo seus drinks naquelas taças e copos transados, sem regras ou julgamentos, simplesmente, se divertindo.

Motivada, Irene acomodou-se na última cadeira ainda disponível no balcão. Rapidamente, o bartender apresentou o menu de drinks e deixou a cliente à vontade. A primeira reação foi abrir o cardápio e, como já me relataram centenas de clientes, o menu pode ser lindo, enxuto, colorido, não importa, NINGUÉM gosta de ler cardápio, é uma grande perda de tempo. Cabe aqui uma reflexão importante: “A leitura é boa em outras ocasiões e em outro estilo literário, o que eu, depois de duas décadas de profissão, assino embaixo e defendo fielmente. Cardápio impresso ou virtual, não importa, é necessário para escolha de comida. Bar, balcão e a coquetelaria moderna, exigem um profissional de bar hospitaleiro, simpático, prestativo e muito didático, ou seja, olhe para a cliente e descubra, em poucas palavras o que ela deseja”.

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  Confusa e ainda um pouco perdida com aquele ambiente, o menu parecia estar escrito em aramaico antigo. Depois de alguns segundos, a professora chama o atendente e pede o drink mais vendido da casa, (normalidade muito comum). Sem pestanejar, o bartender começa a executar o pedido, entre outras solicitações da clientela. Atenta, Irene observa aqueles movimentos de vai e vem, da dosagem das bebidas, do shaker da coqueteleira, até a finalização e a bela guarnição colorida adiciona na taça. Sorrindo, o profissional de bar apresenta seu coquetel para a “debutante de balcão”. Em tempos atuais, obviamente que Irene sacou seu celular e fez fotos, filtros, vídeos e tudo mais antes de dar o primeiro gole.

A magia revelada

Daquele momento em diante, Irene percebeu que sua vida estava mudando, ou melhor, estava mudada. A professora dedicada, a romancista das horas vagas continuava a existir, só que agora mais leve, sem muitos tabus, julgamentos, pensamentos, simplesmente livre. Dois goles depois, o ambiente já parecia sua sala de estar, e as mulheres, antes estranhas, agora já dividiam confidências como velhas amigas. A mágica aconteceu como sempre acontece. O balcão de bar é, sem sombra de dúvida, o espaço mais democrático do mundo. Foi essa democracia etílica que encantou Irene. Antes, cliente de bons restaurantes, ela esperava longos minutos por uma mesa e, acompanhada do marido e de amigos, quase nunca pedia drinks. Seguia o consumo da maioria, geralmente vinhos, raramente coquetéis.

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Ambientada e bem à vontade, Irene se divide entre papear com a parceira da cadeira ao lado, sua nova melhor amiga dos últimos dez minutos, (a maior mágica que acontece no balcão), e a observar interessada, os movimentos do barman. Como uma criança curiosa, Irene dispara perguntas a cada coquetel finalizado. O que é isso? Porque aquilo? Que bebida é essa? O que é aquele drink vermelho? Eu quero isso que você acabou de fazer! Questionamentos comuns, respostas iguais, todo dia. A democracia que ali se criava, o trabalho sem parar do bartender, o som, a luz, as cores, tudo, simplesmente tudo parecia novo. Irene, mesmo com todo seu conhecimento e sua vivência, sabia que aquele momento mudava sua vida. Sua experiência naquela noite foi inesquecível. Depois de algumas horas, é chegado o momento de partir, e como é difícil essa saída. A professora resistiu, como um soldado na trincheira, bravamente até o drink derradeiro.  Sem cerimônia, pediu seu Dry Martini e a conta.

A experiência de Irene só foi possível, porque o profissional de bar fez de seu balcão, uma religião sem excessos, um espaço politizado sem partido, um time de futebol sem cores e escudo. Simplesmente um local sagrado, respeitado e onde muitas amizades acontecem, muitas mágoas desaparecem e muitas intolerâncias deixam de ter sentido.

Ah, o que aconteceu com a Irene? Elas são muitas, e estão por ai, todos os dias, em algum balcão de bar, sentadas, esperando que você faça o mesmo. Bem vindo ao melhor remédio do mundo – o balcão de bar.

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Cheers.

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