A saúde dos governantes é do interesse público
Repercussão da desistência de Biden corrobora a tese de que candidatos devem ser francos sobre suas condições de saúde
A decisão do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, 81 anos, de renunciar à disputa da reeleição, devido à incerteza do seu eleitorado sobre sua saúde, coloca em discussão um assunto de grande relevância: a necessidade de a população conhecer as condições física e mental dos seus governantes e seus substitutos imediatos, em todas as esferas do poder. Afinal de contas o ocupante do cargo administra os recursos públicos e precisa assegurar à população o que diz a constituição ou a lei orgânica, no caso dos municípios. Mas todos nós precisamos assumir o compromisso com o próprio bem-estar.
São conhecidas histórias de governantes, em diferentes países, que esconderam seus problemas de saúde da população. Porque não querem passar uma imagem de fragilidade. Para ficar apenas nos Estados Unidos, o presidente Franklin D. Roosevelt (1933-1945) sofria de poliomielite, mas a maioria dos americanos, durante seu governo, não soube que ele teve uma doença cardíaca grave.
Outro presidente americano muito conhecido, John F. Kennedy (1961-1963), sofria com insuportáveis dores crônicas de coluna e tomava várias injeções por dia com potentes analgésicos. E tinha algo mais grave: a doença de Addison, que ataca as glândulas suprarrenais. Apesar desses problemas, desconhecidos da maioria da população na época, ele procurava parecer bem-disposto. As pessoas só lembram do seu assassinato.
No Brasil, o caso emblemático é o do presidente Tancredo Neves, internado de emergência na véspera da posse em 14 de março de 1985, com fortes dores abdominais. Ele terminou falecendo devido a complicações de cirurgias. Durante todo o período de 39 dias internado, os brasileiros não tinham certeza do quadro de saúde de Tancredo. É conhecida a foto montada para fazer a população acreditar que o presidente estava se recuperando.
A grande repercussão mundial da desistência de Biden, devido aos seus problemas de saúde, corrobora a argumentação de que os candidatos a cargos de governança municipal, estadual e federal devem ser francos em relação às suas condições de saúde física e mental. E precisam tornar público os resultados de seus check-ups médicos completos, que devem ser atualizados anualmente.
Na situação de Biden, os lapsos de memória chamaram a atenção apenas recentemente. Só depois que sua renúncia foi efetivada a imprensa divulgou com mais detalhes um resumo de seu último check-up, em fevereiro deste ano. E o laudo indicou câncer de pele removido, apneia obstrutiva do sono (transtorno que aumenta o risco de infarto e derrame), refluxo gastroesofágico, neuropatia sensorial nos pés e osteoartrite espinhal, alergias sazonais. Mas nada estava claro sobre sua habilidade cognitiva. Então seu médico declarou que Biden estava “em forma para cumprir as suas funções”.
É uma decisão individual apropriar-se do cuidado com a saúde. Isso mostra responsabilidade com o próprio indivíduo, a sua família e a sociedade. Nossa experiência de 34 anos de mais de 250 mil check-ups realizados em executivos de 40 nacionalidades, evidencia que avaliação médica precisa ser física e mental. E não adianta oferecer apenas um laudo básico completo. É essencial orientar o indivíduo, na consulta pós-check-up, sobre seus resultados, sugerir e apresentar um programa para corrigir hábitos prejudiciais à busca da longevidade com bem-estar.
Apenas para ilustrar, em recentes levantamentos realizados em nossas clínicas com executivos/as de empresas nacionais e multinacionais, observamos que 65% estavam acima do peso, 20% obesos, 22% hipertensos, 50% sedentários, 25% ansiosos, 65% se queixavam de estresse crônico, 11% tinham depressão, 35% insônia e 50% usavam bebida alcoólica com frequência. Alguns desses resultados são equivalentes aos de outras pesquisas, como a Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), realizada pelo Ministério da Saúde em todas as capitais do país e no Distrito Federal.
Na COVID-19, a maioria dos óbitos foi de pessoas idosas com comorbidades. Vale ressaltar que, segundo a Organização Mundial de Saúde, 74% das mortes ocorridas globalmente, em 2022, foram por doenças crônicas não transmissíveis (comorbidades), que incluem alterações cardiovasculares, respiratórios e renais, câncer, diabetes, depressão.
O índice de doenças crônicas não transmissíveis seria drasticamente reduzido com mudanças nos hábitos. E, atualmente, a epidemia de transtornos mentais, especialmente ansiedade, depressão e síndrome de burnout, é um dos temas que preocupa médicos, empresas e governos globalmente. Com o avanço nos métodos de diagnóstico e o aumento da expectativa de vida, temos visto mais casos de perda cognitiva, como doença de Alzheimer, na faixa etária abaixo de 65 anos.
Números que acentuam a importância de olharmos cada vez mais para a prevenção e para o estilo de vida saudável.
*Gilberto Ururahy, diretor médico da Med-Rio Check-up, presidente do Comitê de Saúde da Amcham Rio, da Câmara França-Brasil e da Associação Comercial do Rio de Janeiro