Puxão de orelha
Levei um puxão de orelha de um leitor por ter elogiado a reestruturação do Centro idealizada por Eduardo Paes. Eu entendo, a política tem mesmo muitas faces. Não sei se os problemas infinitos do Rio, do país e do planeta têm solução. Também desconheço o que leva um ser humano a assumir um cargo público. […]

Levei um puxão de orelha de um leitor por ter elogiado a reestruturação do Centro idealizada por Eduardo Paes.
Eu entendo, a política tem mesmo muitas faces.
Não sei se os problemas infinitos do Rio, do país e do planeta têm solução. Também desconheço o que leva um ser humano a assumir um cargo público. Ambição de poder, talento para gerir, ganância, destino ou a rara vontade de servir ao próximo.
Na política, é mais seguro não tomar partido, não emitir opiniões. Ela segue uma lógica de interesses própria, e o elogio de agora se transforma, com frequência, num atestado de ingenuidade no futuro.
O leitor tem razão quanto ao estado dramático da saúde pública. Como resolvê-lo? Outro dia, ouvi falar de um hospital da mulher em Bangu no qual as grávidas pedem de joelhos para não ser internadas, devido à incidência altíssima de mortes e barbeiragens.
E o saneamento básico? Fui à Praia do Leme num domingo de sol. Estava cheia, então resolvi caminhar até o Museu da Imagem e do Som. Desisti na altura do Copacabana Palace, depois de cruzar com o terceiro encanamento malcheiroso a desaguar na areia. As favelas não têm esgoto e, o que é pior, muitos empreendimentos imobiliários se valem de ligações clandestinas que emporcalham as lagoas e praias como se não houvesse amanhã. É de sentar na calçada e chorar.
Isso sem falar na falta de educação dos cariocas, na quantidade de sacos de biscoito, copos e garrafas de plástico largados pelo caminho, como se Deus fosse dar um destino àquilo.
No domingão ensolarado que se seguiu ao trauma do mau cheiro em Copa, enfrentei o trânsito para um mergulho na Reserva. Valeu. Praia limpa, quase vazia. À noite, assisti pela TV ao perigo do qual escapei: o arrastão do bonde do Jacaré em Ipanema. Liguei para um amigo que havia me convidado para ir ao Arpoador com as filhas e ouvi uma resposta maravilhosa do imigrante paulista. “Nanda”, disse ele, “o caos do Rio é organizado, de manhã não tem arrastão, ele só passa à tarde!” E rimos tristes com a própria desgraça.
Beltrame pediu a colaboração da prefeitura, tanto para lidar com os jovens que vêm do subúrbio tocar o terror entre os bacanas como para enfrentar os pit boys que prometiam revanche. O secretário exigiu a presença de assistentes sociais, ciente de que a polícia é treinada para reprimir, não para lidar com a tragédia familiar e educacional. Beltrame tem consciência do papel de enxugar gelo da corporação que comanda.
Então, caro leitor, concordo, o cobertor é curto. Paes fez uma reestruturação ambiciosa no Centro, criou áreas de lazer em Madureira, os BRTs e não priorizou setores estratégicos da cidade em agonia.
Um prefeito que priorize a saúde, a educação e o saneamento será mais que bem-vindo. Rezo para que ele exista.
Garotinho, quando governador, gastou milhões num sistema de tratamento para limpar a Baía de Guanabara, mas se esqueceu das tubulações. O investimento enferrujou e, hoje, a baía é sinônimo de constrangimento olímpico.
Por essas e por outras, ainda considero milagrosa a conclusão de muitas das obras iniciadas pela atual gestão.