Progressiva
Aconteceu comigo. Não sei quando, não sei com quem. Talvez uma sucessão de chapinhas, triondas, babyliss e escovas, e tintas, e cremes capilares, acabou provocando um alisamento indesejado na minha vasta cabeleira. Os fios espicaçaram pra fora, eriçados, como cerdas de vassoura. A raiz, colada ao couro, lambeu a feição. Não tem sido fácil encarar […]
Aconteceu comigo. Não sei quando, não sei com quem. Talvez uma sucessão de chapinhas, triondas, babyliss e escovas, e tintas, e cremes capilares, acabou provocando um alisamento indesejado na minha vasta cabeleira. Os fios espicaçaram pra fora, eriçados, como cerdas de vassoura.
A raiz, colada ao couro, lambeu a feição.
Não tem sido fácil encarar os olhares incrédulos diante da jura de que eu não pedi para me passarem henê.
Uma junta médica se reuniu para descobrir as causas da japonesa. Uma das possibilidades aventadas foi a inclusão de uma dose inofensiva de formol para facilitar a escova.
Uma profissional do ramo afirmou que essa é uma técnica utilizada nos salões com as clientes frequentes. Para amenizar o cheiro, borrifa-se uma água perfumada com algumas gotas da substância. Como as madames vivem escovadas, não percebem o estilo espanador da crina ao natural. Eu, com a minha preguiça de ser mulher, me dei conta do horror logo de cara, mas demorei a tomar providências. Depois de três semanas de madeixas de bruxa, pedi ajuda aos universitários.
Passarei o próximo mês fazendo um tratamento de remoção de resíduos. Sigo bulas, cuias de xampu alternado com rinse, misturados em proporções precisas.
E água filtrada no enxágue. Aplico uma meleca proteica de três em três dias, dá um trabalhão. Melhorou, não está mais aquele telhado de piaçava, mas os fios terão de crescer um palmo para eu voltar a ser quem eu era.
Fátima Bernardes, vítima do mesmo look capim seco, encarou o Jornal Nacional com galhardia. Hoje, vê-la cacheada como veio ao mundo me dá forças para continuar.
Eu já havia relaxado os fios — eufemismo para alisamento — uma vez e de leve. Ficou bom, mas nunca mais repeti. A rotina quinzenal de retocar a raiz com tonalizante já é suficiente, para eu ainda inventar de botar outra química na careca.
Na época, a máscara — outro eufemismo — incluía queratina, aminoácidos, proteína, tudo de bom, me disse o cabeleireiro. “Mais nada?”, perguntei. “Não, mais nada, só um produtinho para acalmar o folículo”, ele respondeu. “Formol?”, indaguei. “Nããão”, ele jurou de pés juntos. “Uma outra coisa.”
“O quê?”, eu quis saber. “Segredinho!”, disse.
Não era formol. Era algo bem próximo.
As egípcias usavam chumbo para pintar os olhos. Três mil anos depois, evoluímos para o formol. E não só na peruca.
Uma amiga me deu de presente um esmalte para fortalecer as unhas. As minhas são raquíticas, quebram à toa e nunca atingem um comprimento elegante. Passei. Viraram cascos. Fiquei maravilhada. Mais uma vez,
a preguiça de ser mulher me fez esquecer o frasquinho no fundo da gaveta. E foi muito bem esquecido.
A manicure que cuida das garras da Fátima, em Tapas e Beijos, me explicou que o milagre atende pelo nome de, adivinhe… formol.
Mais conhecido pelo seu emprego na preservação de cadáveres, o H2CO é o Botox dos tecidos mortos.
O problema é que ele liquida com os vivos.
Aí vão alguns dos efeitos do formol na saúde, que coletei na internet: irritação da pele, dos olhos e das mucosas; mutagênico e carcinogênico suspeito. Pesquisas recentes o apontam como responsável pelo aumento de até 34% no risco de uma pessoa normal desenvolver esclerose lateral múltipla.