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Fernanda Torres

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Blog da atriz Fernanda Torres

Os bárbaros

Desci a Rua Marquês de São Vicente apressada. A festa de 15 anos do meu primogênito me aguardava na serra. Dezesseis adolescentes famintos gastavam a energia no campo, à espera do churrasco oferecido pelos pais do amigo. Mala, picanha, salada, farofa, a Linha Vermelha engarrafada, a lista de urgências não tinha fim. Era nisso que […]

Por fernanda
Atualizado em 25 fev 2017, 18h28 - Publicado em 12 nov 2014, 00h00
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cronica

Desci a Rua Marquês de São Vicente apressada. A festa de 15 anos do meu primogênito me aguardava na serra. Dezesseis adolescentes famintos gastavam a energia no campo, à espera do churrasco oferecido pelos pais do amigo.
Mala, picanha, salada, farofa, a Linha Vermelha engarrafada, a lista de urgências não tinha fim. Era nisso que eu pensava enquanto seguia o fluxo dos carros. Um pouco antes do Shopping da Gávea, resolvi tomar um atalho arriscado. Não vinha carro no sentido contrário e, sem ouvir a razão, guinei o volante para a esquerda, passando por cima da faixa dupla e dos murundus que estão lá para deixar claro que o único caminho a seguir é em frente. Quando embiquei, dei com uma mãe indignada, empurrando o carrinho de bebê na esquina da rua bucólica. Fingi civilidade, dando passagem aos pedestres, mas um guarda surgiu por detrás dela e me mandou dar ré. Aceitei a multa, os pontos na carteira e me desculpei pelo indesculpável.

Depois de dar conta da odisseia do sábado, da grelha, dos pratos, da fogueira, do forno e das pizzas da madrugada, caí dura na cama, guardando forças para o dia seguinte.

O domingo glorioso foi coroado com uma expedição pelo rio local, um paraíso de águas límpidas e pedras lisas que se estreitam e se abrem na paisagem silvestre. Como o pequeno quis acompanhar os mais velhos, fui junto, para resguardar
a integridade física da cria.

Nuvens carregadas se acumulavam nas montanhas, o medo da cabeça-d’água e a condição de maior responsável me fizeram descer a corredeira com um pé lá, outro cá. Retornei ao ponto de partida com todos a salvo, aliviada por ter cumprido a tarefa de mãe. Foi quando notei uma discussão em curso na saída da cachoeira.

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O caseiro da propriedade vizinha ao rio olhava para os meninos com cara de poucos amigos, meu filho gesticulava com ares de revolta, enquanto um menino, encabulado, limpava uma pedra do lado do curso d’água.

Ele tinha acabado de fazer cocô na queda mais frequentada da região. Dei uma chamada no moço, mandei ele catar uma pá, pedi perdão pelo ocorrido e encerrei o passeio. O que já era grave piorou ainda mais quando dei com outro monte, e mais outro, e mais outro debaixo da ponte. Dois dos adolescentes, o que assumiu e um outro, haviam coroado o paraíso com a marca da sua passagem. Perdi as estribeiras. Dei um chilique, à altura da falta de respeito gástrica, para eles nunca mais repetirem a nojeira.

Voltei para casa marchando pesado, fechei o tempo e não quis mais saber de conversa, estava encerrado o fim de semana.

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Os dois vieram com a mesma cara de arrependimento que fiz olhando a mãe e o guarda na descida da Marquês. Minha barbárie era comparável à deles.

Um cocô solitário parece tão inofensivo quanto uma pequena infração de trânsito, mas multiplique o mau hábito pela população do país e você terá esgoto a céu aberto e milhares de mortos.

Faço aqui o mea-culpa.

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Nunca mais vou virar à esquerda na Marquês, assim como espero que os mancebos sejam acometidos de prisão de ventre toda vez que visitarem algum paraíso.

É pecando que se arrepende.

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