A retomada da cultura – Como será o amanhã?
As expectativas e os principais desafios da retomada do setor artístico e cultural em 2022
“Fomos os primeiros a parar e seremos os últimos a voltar.” Este foi talvez o comentário mais recorrente entre os agentes de cultura, desde os primeiros efeitos da pandemia. Pesquisas recentes apontam que, em 2020, cerca de 40% dos equipamentos e organizações culturais demitiram todo o efetivo de funcionários. Com relação a contratação de terceiros, houve uma redução de até 49% entre maio e julho do ano passado.
A cidade do Rio atingiu, no começo de novembro, a marca de 70% da população imunizada. Esse índice auxilia no retorno gradual dos eventos presenciais com mais segurança e o setor ensaia uma possível retomada, apesar da redução dos principais editais de incentivo.
Conversei com alguns gestores de instituições de arte e cultura, com o objetivo de refletirmos coletivamente sobre estratégias e ações que possam impulsionar o segmento em 2022, quando vamos celebrar duas efemérides que marcam a história brasileira: o bicentenário da Independência e os 100 anos da Semana da Semana de Arte Moderna. Ambas as datas suscitam grande expectativa por parte do público, que espera festejos, atividades educativas, exposições e reflexão acerca desses movimentos que nos constituem como nação.
De acordo com Benjamin Seroussi, diretor da Casa do Povo, em SP, não basta celebrarmos a retomada do encontro presencial: “Seria um tanto ingênuo. Precisamos entender e colocar em prática o que aprendemos nesse período crítico. A partir da pandemia, as instituições artísticas tentaram repensar não apenas como atuar em meio a esse contexto, mas em como evitar que voltemos à situação anterior – o ‘velho anormal’ – com falta de solidariedade e cuidado, e excesso de conteúdo”, analisa Benjamin.
Para ele, a arte e a cultura são lugares de experimentação e de radicalização de nossa imaginação, e o desafio central agora é entender como será essa “volta”. Seroussi nos deixa algumas interrogações pertinentes: “É um retorno ao que havia antes da pandemia? O que vai sobrar como aprendizado deste um ano e meio de lockdown? As solidariedades com os territórios onde atuamos e os cuidados com o público serão mantidos? De que forma? Que tipo de práticas críticas as instituições de arte vão seguir desenvolvendo no ano que vem?”
Yole Mendonça, diretora da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, revela que, na retomada do formato presencial, a instituição aposta no contato com a natureza e na democratização da arte como um direito de todos:
– A partir da experiência da pandemia procuramos refletir sobre o mundo que queremos construir e legar para as gerações futuras. E uma das vertentes que se impôs foi a busca de aprendizado a partir de uma maior conexão com a natureza. Não à toa, o Plano Anual de Atividades de 2022 da EAV tem como inspiração as obras de Rubens Gerchman, fundador da instituição, que tomam o ar como mote numa alusão à necessidade que todos os corpos têm de respirar, existir e resistir. O ar livre pode ser a inspiração, mas também os gritos de denúncia. Em nossos cursos de férias, com início em janeiro, já estamos partindo para aulas presenciais com atividades na floresta e, no primeiro semestre, vamos abrir edital para 80 bolsas integrais de estudo. O objetivo é radicalizar a visão de que a arte é direito e não privilégio, afirma Yole.
A EAV vai manter, em paralelo, o formato remoto. De fato, esse é um legado da pandemia: o on-line veio para ficar. A digitalização dos acervos rompe barreiras geográficas e democratiza o acesso a conteúdos antes restritos a museus, bibliotecas e institutos.
O presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), Pedro Mastrobuono, avalia que o ano de 2022 encontrará um campo museal ávido por soluções definitivas, que exigem estratégia e foco na captação: “A almejada sustentabilidade vem sendo buscada através dos avanços na implementação dos fundos patrimoniais, destinados ao financiamento de instituições públicas e privadas. Há, também, a consciência da necessidade de segregação de funções na direção das instituições, sem espaço para letargia e obsolescência. De um lado, há a atividade finalística desenvolvida de modo programado e lúcido, com o apoio de um conselho curatorial forte. De outro, é preciso contar com executivos ágeis, aptos a não desperdiçar oportunidades”.
É fato que a cultura é determinante pra gerar reflexão crítica e para nos sustentar na travessia de momentos trágicos. Paradoxalmente, o setor sofreu uma série de cortes de grande impacto, passando a receber menos recursos.
No próximo ano, o segmento ainda enfrentará grandes desafios. Não só para garantir sustentabilidade financeira, mas para aprovar projetos culturais via Lei de Incentivo. Isso afeta e prejudica o planejamento das instituições de cultura em todo o país e a manutenção de suas grades de programação. O MAM Rio, por exemplo, vem investindo fortemente em programas relevantes que demandam previsibilidade financeira.
Trabalhar com uma estratégia muito bem definida para desenvolver tecnologias de educação e acessibilidade através da arte é um dos nossos focos principais. Em 2021, criamos cinco residências artísticas para todos os públicos que orbitam no meio de arte: artistas, curadores, professores, adolescentes e pessoas com deficiência física que trabalham na área educativa de museus. Além de estudarem por um período de três a oito meses no MAM, os residentes foram remunerados: o museu transferiu um total de R$ 245 mil a essas pessoas (considerando os cinco programas), gerando economia num ano de crise.
Em 2022 queremos fazer mais, de forma a valorizar e investir nestes públicos que compõem o sistema de arte no país. Sem dúvida os desafios serão grandes, como foi mencionado nos depoimentos acima, mas a solução está parcialmente em nossas mãos. É determinante criarmos um engajamento maior da sociedade civil no apoio às instituições culturais, que têm papel fundamental na discussão da contemporaneidade.
Austeridade nos gastos é um ponto importante a ser analisado dentro dos projetos para 2022, mas o foco em educação e capacitação deve ser priorizado pelo MAM Rio como investimento e não como gasto. O entendimento de que o museu, através de seus programas de residência e capacitação, é um relevante agente de transformação social já é ponto pacífico.