Por que é importante proibir o uso de celulares nas escolas?
Medida que, inicialmente, pareceu autoritária ganha cada vez mais adeptos e defensores
Desde fevereiro está em vigor o decreto do prefeito Eduardo Paes que proíbe celulares e outros aparelhos tecnológicos dentro ou fora de sala de aula – incluindo intervalos ou recreios. Depois de um período inicial de adaptação, a partir deste mês as novas regras estão valendo. Na prática, a determinação impacta a vida de 600 mil alunos da rede municipal de ensino.
A medida foi tomada após uma consulta pública promovida pela Secretaria de Educação, entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024, com mais de 10 mil respostas. De acordo com o levantamento, 83% são favoráveis à proibição do uso do aparelho, 11% parcialmente favoráveis e 6% contrárias.
Logo em seguida, diversas escolas particulares decidiram adotar a mesma medida em seus estabelecimentos. A lógica é clara. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), os aparelhos perturbam a concentração distraem, dificultam o convívio social e facilitam o cyberbullying.
A determinação que agora entra em vigor no Rio de Janeiro não chega a ser uma novidade. De acordo com a ONU, um em cada quatro países do mundo pratica ações restritivas ao uso de celular nas escolas, como Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Suíça, Portugal, México e Holanda.
Recentemente, o governo da Flórida, nos Estados Unidos, aprovou uma lei exigindo que escolas públicas proibindo que alunos usassem telefone em horário de aula. Estatística do Departamento de Educação Americano, publicada em 2021, aponta que 77% das escolas proibiam uso de celular sem uso acadêmico durante horário de aula.
Há pouco tempo, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) divulgou um memorando em que chama atenção para os impactos negativos do uso de celulares em sala de aula e na capacidade de aprendizagem dos alunos. Ainda de acordo com a instituição, há a preocupação de que o uso de aparelhos aprofunde as desigualdades educacionais em função das condições socioeconômicas, como acesso ou não à internet e aos próprios suportes eletrônicos.
O Brasil é o segundo país com maior tempo de tela no mundo, com 56% das horas acordadas diante de telas. No Japão, por exemplo, este percentual é de apenas 21%. A recomendação da Sociedade Brasileira de Psiquiatria é que crianças menores de dois anos não tenha qualquer consumo eletrônico; entre 2 e 5 anos, até uma hora por dia; entre 6 e 10 anos, até duas horas por dia e entre 11 e 18 anos, até 3 horas por dia. No entanto, não é isso que acontece hoje.
É claro que o impacto do consumo de eletrônicos pelos mais jovens tem seus lados positivos. As gerações mais jovens são nativas digitais, esta é a forma como estão no mundo, se comunicam e reconhecem. A internet, por exemplo, pode melhorar o desempenho acadêmico dos alunos como fonte de pesquisa e informação, além de aguçar a curiosidade. Além disso, programas e abordagens baseados em telas podem encorajar o aprendizado autônomo e colaborativo, bem como aplicativos e jogos podem aumentar a proficiência e reduzir as lacunas de aprendizado. Já os videogames cooperativos ou competitivos, jogados com família ou amigos, podem refletir e funcionar como brincadeiras tradicionais, oferecendo oportunidades de desenvolvimento cognitivo e social. Ignorar todas estas vertentes da tecnologia na vida dos jovens seria uma falácia.
No entanto, de um modo geral, o que se observa são significativos impactos negativos no dia a dia deles. Diversas pesquisas recentes dão conta de consequências concretas para a linguagem e cognição (prejuízo ao desenvolvimento, memória, menor capacidade de ler, menor controle inibitório, perda de pensamento analítico, de performance acadêmica e flexibilidade cognitiva), a capacidade motora e saúde física (sobrepeso, obesidade e má qualidade do sono) e mental (sintomas de depressão, ansiedade, solidão e baixa autoestima).
Escola é lugar de estudar, brincar, fazer amigos, interagir, enfim, exercer a sociabilidade de forma mais plena. O celular, usado com propósitos desvirtuados ao ensino, nada soma a este processo fundamental do desenvolvimento de crianças e jovens.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).