A hora de criar laços (e histórias) com as crianças e adolescentes
Vacinação e arrefecimento da pandemia é um convite para que pais e filhos criem momentos a serem lembrados para sempre
Existem fatos que são determinantes para algumas gerações. Ao longo da História, a humanidade enfrentou guerras e pestes cujas sequelas os jovens trazem no corpo e na alma. Uma das mais lembradas – talvez pelo marco que significou para o século XX – é sempre a Segunda Guerra Mundial e o nazismo. Milhões de judeus fugiram para diversos países do mundo na tentativa de mitigar a devastação que a perseguição de Hitler causou em suas vidas. Essa história nos volta recorrentemente em filmes e séries.
A pandemia de coronavírus que enfrentamos desde o começo de 2020 terá o mesmo poder. Ela foi capaz de criar um universo de experiência e lembranças que acompanhará gerações e gerações. De lá pra cá, foram muitas as sensações: medo, pavor, tristeza, esperança, expectativa. Em quase 24 meses, passamos por todos os sentimentos. Da temeridade com o futuro, trancados em casa, à euforia com a criação da vacina que apontava como uma luz no fim do túnel.
Crianças e jovens sairão dessa experiência profundamente marcados. Assim como as crianças e jovens também foram marcados ao final da Gripe Espanhola ou da já citada Segunda Guerra. Meses em casa, sem a prática de exercícios físicos ou hobbies, sem ir à escola, sem interação pessoal com professores, com contato restrito às telas, sem brincar com amiguinhos ou ver os avós. Não se sai de uma restrição tão severa sem recordações para o resto da vida – mas também sem algum impacto na saúde mental.
Pesquisa publicada na revista científica da Associação Médica Americana a partir de outros 29 estudos que ouviram 80 mil crianças de diversos países da Ásia, América Latina, América do Norte, Europa e Oriente Médio apontou uma verdadeira pandemia de depressão entre crianças e jovens. O estudo concluiu que a prevalência de transtornos mentais dobrou entre os jovens, se considerarmos o período anterior à pandemia do coronavírus. Além disso, uma em cada quatro crianças e adolescentes apresenta sintomas de depressão e uma em cada cinco apresenta sinais de ansiedade.
Do Brasil, a instituição participante foi a Universidade Estadual Paulista (Unesp). A pesquisa brasileira ouviu 289 crianças, de seis a 12 anos, de todo o país, em 2020. A prevalência de sintomas de transtorno de ansiedade foi constatada em 19,4%, acompanhando o percentual mundial. Um ano depois, em março de 2021, a Unesp submeteu o mesmo questionário novamente e a resposta positiva aos sinais de ansiedade subiu para 25%.
Com a vacinação evoluída, caminhando a passos largos para a dose de reforço, é preciso mais que reestabelecer a vida dos jovens e crianças. As aulas escolares já foram retomadas e as atividades de lazer, culturais e esportivas já podem ser frequentadas. Com responsabilidade e segurança, é fundamental que as crianças criem um novo leque de experiências felizes a serem lembradas no futuro.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).