Autismo: mitos e verdades sobre o transtorno que tanto se fala
Origem genética do transtorno não exclui novas pesquisa sobre outras possíveis razões
Um dos transtornos mentais mais cercados de mitos e lendas – tão prejudiciais ao tratamento correto dos pacientes – é o autismo. Pessoalmente, já ouvi todo tipo de barbaridade: de pai que acredita que a doença foi causada pelo glúten do pão à mãe que afirma que vacinas podem desenvolver a doença nas crianças. Mais recentemente, associaram o canabidiol ao tratamento de sintomas do autismo, fato que nenhuma pesquisa séria no mundo endossa ainda.
Antes de mais nada, portanto, convém esclarecer: a ciência não tem uma razão absoluta para que alguém desenvolva a TEA (Transtorno do Espectro Autismo). No entanto, não restam dúvidas que o autismo tenha alguma origem genética. A ciência também tem se dedicado a estudar possíveis influências de fatores ambientais, ou seja, sem origem genética, na ocorrência do transtorno, como uso abusivo de álcool e drogas durante a gestação, bem como partos prematuros – fatores que interferem na formação do sistema nervoso central do feto. Pesquisas tem concluído que o cérebro de autistas apresentam alterações na sua morfologia constituição celular. De todo modo, vale repetir: nada disso está absolutamente referendado pelas pesquisas científicas – e é sempre a elas que devemos nos ater.
De modo geral, o transtorno se caracteriza por dificuldade de interação social, comunicação, além de interesses e comportamentos restritos ou repetitivos. Portanto, o “mito” de que o jogador de futebol Lionel Messi seja autista não procede. Basta conhecer um pouco da patologia para saber que um autista jamais conseguiria ter o carisma, a empatia e a capacidade de liderança que o argentino apresenta.
A forma e a intensidade com que estes traços de comportamento se manifestam variam de uma pessoa para outra, bem como as comorbidades e as causas eventualmente associadas ao transtorno. Por isso, não devemos dizer autismo “grau 1, 2 ou 3 de gravidade”, como vemos com frequência. Isso está errado. É um termo que tem origem no DSM-5, da Academia Americana de Psiquiatria, mas nós, brasileiros, usamos como referência o Código Internacional de Doenças (CID-10), onde ainda se fala Transtorno Global do Desenvolvimento. Apenas quando mudar para o CID-11, passará a se chamar TEA, porém com outras graduações, sete no total (e não três, como no DSM-5).
A prevalência de pessoas com TEA vem aumentando progressivamente. Em 2004, o número divulgado pelo Centers for Disease Control (CDC) era de 1 a cada 166. Em 2012, esse número estava em 1 para 88. Em 2018, passou para 1 a cada 59. E, este ano de 2023, divulgou-se a razão de 1 autista para cada 36 crianças.
Embora não haja uma pesquisa oficial sobre o número de autistas no Brasil, aplicando a proporção do estudo americano à população brasileira, chegamos a cerca de 5,95 milhões de casos no país. Em nossas avaliações no Ambulatório de Pesquisa da PUC-Rio e da Santa Casa, mais da metade das crianças que chegam com o diagnóstico de Autismo tem, na verdade, apenas Deficiência Intelectual, e não a combinação da deficiência com o Transtorno do Espectro Autismo (TEA). Portanto, para se chegar ao diagnóstico de TEA, é preciso ter muito critério e bom senso. E isso só é possível pela parceria com a equipe, competente e bem preparada.
No entanto, ao contrário do que algumas pessoas possam imaginar, não vivemos uma “epidemia” de autismo pelo aumento de casos em comparação às décadas anteriores. O que acontece é que hoje é capaz de se fazer o diagnóstico mais cedo e com mais precisão. E isso é uma boa notícia, na medida em que o cérebro ainda tem uma plasticidade de desenvolvimento elevada nos primeiros anos de vida.
É fundamental também reiterar que não há cura para o autismo. Se alguém oferecer esse tipo de “serviço”, recuse e denuncie. O que de fato existe é uma série de tratamentos terapêuticos que, aliados ou não a medicamentos, podem mitigar os sintomas e reduzir o impacto do autismo na qualidade de vida dos pacientes – e de seus familiares.
Assim como não existe um caso de autismo absolutamente igual ao outro, também não há um tratamento único para todos os casos. Cada criança ou adolescente com este diagnóstico, terá uma condução terapêutica diferente. Dietas, suplementações vitaminas e vários tipos de abordagens têm sido propostas para o tratamento do TEA, entretanto, não há evidência científica para que muitas dessas terapias sejam utilizadas, como vitaminas, dieta sem glúten, óleos essenciais, canabidiol e psicanálise, por exemplo.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).