Tudo o que você precisa saber sobre a endometriose
A importância da ressonância com preparo no diagnóstico da doença e outras dúvidas são esclarecidas pela experiente radiologista Alice Brandão
Você pode até não saber, mas cerca de 10 milhões de brasileiras são afetadas pela endometriose, o que, se levarmos em conta a população feminina nacional, significa uma doença frequente. Ela pode se apresentar de diversas formas, por isso é de extrema importância saber identificá-la. Neste sentido, torna-se ainda fundamental o papel do preparo correto para o exame de ressonância magnética, a fim de se obter uma avaliação precisa do quadro. Para falar sobre este assunto, ninguém melhor do que a experiente radiologista Alice Brandão, especialista em Ressonância e Imagem da Mulher. Autora e coautora de cerca de 30 publicações sobre o tema, a médica possui vasta experiência e qualificação internacional.
Fabiano – Para começar, o que é a endometriose?
Alice – A endometriose é uma doença que consiste na presença de endométrio fora do seu local habitual, o útero. O tecido endometrial normal, que recobre o interior do útero, se renova mensalmente através da menstruação. Assim como ele sofre ação hormonal dos ovários, o tecido endometrial ectópico, fora do útero (nas trompas, ovários, bexiga e outros órgãos), pode responder ao estímulo hormonal, produzindo inflamação e penetrar nas estruturas adjacentes. Trata-se de uma doença frequente. As estimativas indicam que 15 a 20 % das mulheres que menstruam a possuam e esse percentual pode chegar a 70% quando há infertilidade ou dor pélvica. Levando-se em conta a população feminina brasileira, supõe-se que cerca de 10 milhões de mulheres são afetadas por esta patologia. A doença pode se apresentar de diversas formas, sendo o principal sintoma a cólica menstrual forte e progressiva, por vezes incapacitante. Outras queixas comuns são de dor durante a relação sexual, ao evacuar e urinar, e sangramento na urina e nas fezes, além de infertilidade.
Fabiano – É importante esclarecermos o que é a ressonância então, certo?
Alice – Sim! É um método de imagem moderno, diferente dos demais, porque adquire as imagens através da manipulação das moléculas do corpo. Simplificando, a ressonância consiste de um grande ímã que consegue reconhecer a constituição de cada tecido de nosso corpo. Assim, é possível a diferenciação das camadas do útero, do ovário e do intestino, entre outros. Esta característica é fantástica para o estudo da pelve feminina, permitindo a identificação de mínimas lesões e a relação destas com estruturas importantes como os nervos e vasos.
Fabiano – Sendo assim, qual é o papel da ressonância na endometriose?
Alice – O diagnóstico da endometriose é realizado pelo médico ginecologista durante a consulta, através da história clinica e do exame físico da paciente. A endometriose costuma acometer vários órgãos, e o conhecimento da sua distribuição anatômica é de extrema importância para o planejamento do tratamento, seja ele acompanhamento ou cirúrgico. Neste sentido, o papel da ressonância é mapear todas as lesões na cavidade abdominal e na pelve, identificar as com comportamento mais agressivo (estenose de ureter e de intestino) e determinar a relação com as estruturas nobres que demandam mais cuidados pela maior complexidade cirúrgica. Esse exame tem maior superioridade em relação aos demais métodos na avaliação do paramétrio e paracolpo (estruturas ao lado do útero que contém ureteres, vasos e plexos hipogástricos inferiores) e do músculo elevador do ânus (músculo que sustenta a pelve). Outra vantagem é a possibilidade de identificação das trompas e de outras patologias, como miomas e adenomiose e a caracterização de cistos ovarianos.
Fabiano – O preparo, neste caso, torna-se fundamental. Pode nos falar sobre a importância?
Alice – O sucesso da pesquisa da endometriose por ressonância está diretamente relacionado ao preparo intestinal adequado. A presença de conteúdo fecal pode prejudicar a detecção do acometimento intestinal, frequente nesta patologia, com lesões pequenas e múltiplas. O preparo intestinal além de ser um facilitador da identificação destas lesões, permite uma avaliação precisa da infiltração intestinal e das estruturas adjacentes pela endometriose, fundamental para o planejamento do tratamento. Sendo assim, consiste em uma dieta com alimentos mais pobres em fibras iniciada no dia anterior ao exame, seguida de jejum próximo do horário do exame, e de medicação com laxativo para limpeza do conteúdo intestinal do reto.
Fabiano – Outro ponto importante, qual a precisão da ressonância no diagnóstico da endometriose?
Alice – O acerto diagnóstico é muito alto quando se alia a história clínica aos achados da ressonância com preparo intestinal. Em centros especializados, com radiologista experiente, chega a ser acima de 95% na endometriose profunda. Esta experiência foi publicada em nosso livro “Atlas de Endometriose Profunda – Correlação Ressonância com Laparoscopia”, que uniu um radiologista e dois cirurgiões. Desta forma, um estudo de imagem adequado permite que não seja mais necessário operar para se fazer o diagnóstico. Por outro lado, permite que a cirurgia seja realizada em um único procedimento para a retirada completa das lesões. Evidencia-se que, o uso da ressonância na endometriose profunda, realizado de forma adequada e com radiologista experiente, permite planejar uma estratégia terapêutica personalizada, permitindo mais conforto e segurança para o ginecologista e a paciente na decisão terapêutica.
Fontes:
Atlas de Endometriose profunda – Correlação ressonância e laparoscopia Revinter 2014. Alice Brandão, Claudio Crispi, Marco Aurelio Pinho de Oliveira
Endometriose Profunda. O que você precisa saber. Dilivros 2016. Marco Aurelio Pinho de Oliveira
Alice Brandão é Médica Radiologista especialista em Ressonância e Imagem da Mulher. Radiologista da Felippe Mattoso e da Fonte Imagem Medicina Diagnóstica. Autora/coautora de várias obras, dentre elas: Autora dos livros ” Atlas de Endometriose Profunda com correlação Ressonância e Laparoscopia” , “Ressonância Magnética na Mama” e “Ressonância Magnética em Ginecologia e Obstetrícia”. Fellowship em Ressonância Magnética no Karolinska Hospital – Estocolmo e no Departamento de Radiologia do Hospital Geral de Massachusetts – Boston.