Podemos prevenir a morte súbita? Saiba os mitos e as verdades
Paradas cardíacas podem levar à morte súbita. Entender melhor sobre o assunto é fundamental, pois a prevenção pode salvar muitas vidas
Dr. Fabiano M. Serfaty:
Parada cardíaca, como a que aconteceu com o jogador de futebol americano Damar Hamlin, infelizmente são mais comuns que muitos imaginam e podem levar à morte súbita. Entender melhor sobre o assunto é fundamental, pois a prevenção pode salvar muitas vidas. A doença cardiovascular é a principal causa de morte em todo o mundo. Em cerca de metade dos pacientes com doença cardiovascular, o primeiro sintoma a se manisfestar é a morte súbita. Com objetivo de nos ajudar a entender melhor este assunto tão relevante para todas as pessoas de todas as faixas etárias, convidei o Dr. Eduardo Saad, que é médico cardiologista ,especialista em Arritmias Cardíacas pela Cleveland Clinic Foundation (USA) e Coordenador do Seviço de Arritmias e Estimulação Cardíaca do Hospital Pró-cardíaco e do Hospital Samaritano Botafogo.
Eduardo, é possível prevenir a morte súbita?
Dr. Eduardo Saad:
Sim, de fato, é possível se antecipar ao evento e detectar pessoas que tem maior risco e, desta forma, tomar medidas que o evitem. A detecção de condições predisponentes é fundamental e é a nossa melhor arma preventiva.
A sociedade brasileira de arritmias cardíacas – SOBRAC (www.sobrac.org) – faz uma campanha anual no dia 12 de novembro, o dia nacional da prevenção da morte súbita, justamente orientando e educando sobre a importância das medidas preventivas.
O caso do jogador em particular é dificil de opinar pela falta de informações específicas, mas a maior suspeita é que esteja relacionado ao trauma direto ao tórax, uma causa rara conhecida como “Commotio Cordis”, onde a energia do trauma direto no coração leva a uma arritmia cardíaca malígna, mesmo em pessoas que não apresentam nenhuma doença no coração.
A Morte súbita pode acontecer em todas as idades. As causas mais comuns em jovens são diferentes daquelas mais prevalentes em adultos e nos mais idosos. Nos jovens, as principais causas são as doenças genéticas elétricas como a síndrome do QT longo e a Síndrome de Brugada e as doenças do músculo cardíaco como a cardiomiopatia hipertrofica, displasia arritmogenica e as miocardites (inflamações do músculo cardíaco). Mais recentemente, tem se observado que o uso abusivo de substância ilícitas ou de esteroides anabolizantes apresentam uma associação frequente com os casos de morte súbita.
Já em adultos e idosos, a doença aterosclerótica coronária, ou seja o entupimento das artérias do coração, é a principal causa de morte súbita, seguidas das doenças do músculo cardíaco, as chamadas cardiomiopatias. As mais conhecidas são as dilatadas, hipertrófica e as restritivas.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Podemos, de fato, prevenir a morte súbita, por isso é muito importante entendermos melhor sobre assunto. Eduardo, você pode listar dez mitos frequentes sobre a morte súbita e esclarescer cada um deles para nossos leitores?
Dr. Eduardo Saad:
- Mito #1:
Morte Subita não é frequente
A morte súbita é responsável por mais mortes que muitas doenças conhecidas e comuns, como em neoplasias (mama, pulmão), derrame cerebral, diabetes, pneumonias e outras doenças cardíacas).
- Mito #2:
Morte Subita só ocorre em idosos
Morte súbita ocorre em qualquer idade, porém é mais comum após os 40 anos, devido a maior ocorrência de aterosclerose coronariana a partir desta faixa etária.
- Mito #3:
Morte Subita significa um infarto fulminante
O termo infarto fulminante usualmente é usado quando alguém morre subitamente. Sim, infarto é uma das causas de morte súbita, porém está longe de ser a única. A razão para um colapso súbito é uma arritmia cardíaca malígna chamada fibrilação ventricular (batimentos tão irregulares que não geram bombeamento), que por sua vez tem muitas possíveis causas. Doenças do músculo cardíaco (chamadas cardiomiopatias – hipertrófica, dilatada, arritomogênica. etc) e a insuficiência cardíaca são causas muito frequentes. Trauma forte no tórax pode também levar a esta arritmia, o chamado Commotio Cordis.
- Mito #4:
Morte Subita sempre dá um aviso prévio
Morte súbita elétrica é a primeira manifestação de doença no coração em até 50% dos casos, ou seja, não dá nenhum sintoma antes na metade dos pacientes acometidos. É fundamental porém reconhecer sintomas que podem aumentar o risco de morte súbita quando ocorrem, em especial:
– desmaios ou tonteiras inexplicados (síncopes)
– dor no peito
– cansaço excessivo aos esforços ou redução da capacidade de se exercitar
– palpitações (batimentos muito acelerados) ou irregularidades nos batimentos cardíacos
- Mito #5:
Não é possível prevenir a morte subita
O reconhecimento de doenças no coração através da avaliação médica adequada e reconhecimento de fatores de risco é fundamental para reduzir significativamente o risco de uma morte súbita. Exames como eletrocardiograma e ecocardiograma por exemplo são capazes de detectar doenças cardíacas presentes mesmo em pessoas sem nenhum sintoma. Em casos selecionados, exames mais detalhados como a tomografia computadorizada, a ressonância magnética e o estudo eletrofisiológico por cateter podem ser indicados.
- Mito #6:
Somente um médico treinado pode salvar uma pessoa de uma morte súbita
Tempo é fundamental para salvar uma vítima de morte súbita. Em 2-3 minutos danos neurológicos irreversíveis podem ocorrer. Por isso, mesmo pessoas leigas treinadas em manobras de ressucitação de emergência (massagem cardíaca) podem manter a circulação até a chegada de socorro. O choque no coração (desfibrilação) é fundamental para reverter uma fibrilação ventricular e os desfibriladores automáticos estão disponíveis em muitos locais de grande circulação. Com um mínimo treinamento esses aparelhos salvam vidas ao reconhecerem automaticamente a arritmia e aplicarem o choque após serem instalados no peito da vítima.
- Mito #7:
Pessoas com fatores irreversíveis gerando alto risco para morte súbita não tem alternativas de tratamento
Pessoas com alto risco de morte súbita elétrica podem ser protegidas através de um desfibrilador implantável, dispositivo que é implantado como um marcapasso. Com ele, é possível a detecção automática, personalizada e muito rápida (em segundos) de uma arritmia malígna. O aparelho dá então um choque interno no coração, levando a volta dos batimentos normais. É efetivo em mais de 99% das vezes e por isso é usado em situações selecionadas quando se reconhece fatores de risco irreversíveis.
- Mito #8:
Desfibriladores podem machucar ou dar choques que levam risco ao paciente
Os desfibriladores foram desenhados para tratar a fibrilação ventricular. Por isso, não devem dar choques para outras arritmias ou acelerações do coração – isto é inapropriado. Os aparelhos atuais tem algoritmos de detecção avançados e a ocorrência de choques inapropriados é baixa, principalmente quando adequadamente programados e acompanhados. Quando ocorrem, terapias inapropriadas são desconfortáveis mas não levam risco adicional.
- Mito #9:
Pessoas com risco de morte súbita não podem levar uma vida normal
Uma vez reconhecido o risco e tomadas as devidas medidas preventivas como o desfibrilador implantável, a vida segue de forma praticamente normal. O dispositivo em nada impede atividades físicas, recreativas, vida sexual ativa e até mesmo a realização de exames como ressonância magnética, desde que devidamente supervisionados. Atualmente até atletas de alto rendimento com desfibriladores implantados voltam a atividade profissional, como vimos dois jogadores atuando normalmente na Copa do Mundo de futebol no Quatar.
- Mito #10:
Desfibriladores são muito caros e não estão disponíveis para a maioria da população
Desfibriladores implantáveis são reconhecidos no rol de procedimentos da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), portanto são cobertos pelos planos de saúde, quando indicados. Na saúde pública, o SUS disponibiliza o implante em hospitais de alta complexidade desde que os critérios adotados sejam preenchidos.
É fundamental que sejam disponibilizados desfibriladores externos automáticos em locais públicos e que o público leigo seja adequadamente instruído em como agir em caso de parada cardíaca. Só assim conseguiremos reduzir a ocorrência da morte súbita e salvar um número significativo de vítimas.
Profissional convidado:
Dr. Eduardo Saad
Médico cardiologista.
Especialista em Arritmias Cardíacas pela Cleveland Clinic Foundation(USA).
Coordenador do Seviço de Arritmias e Estimulação Cardíaca do Hospital Pró-cardíaco e do Hospital Samaritano Botafogo.
Site: https://arritmiacardiaca.com.br/
Twitter: @EduardoSaad3
Instagram: @eduardobsaad
Referências:
2022 ESC Guidelines for the management of patients with ventricular arrhythmias and the prevention of sudden cardiac death. Eur Heart J. 2022;43:3997-4126
Prediction of Sudden Cardiac Arrest in the General Population: Review of Traditional and Emerging Risk Factors. Can J Cardiol 2022 ;38:465-478
Incidence and Causes of Sudden Cardiac Death in Athletes. Clin Sports Med. 2022;41:369-388
Recommendations for participation in leisure-time physical activity and competitive sports of patients with arrhythmias and potentially arrhythmogenic conditions. Part 2: ventricular arrhythmias, channelopathies, and implantable defibrillators. Europace 2021;23:147-148
Non-invasive markers for sudden cardiac death risk stratification in dilated cardiomyopathy.
Heart 2022;108: 998-1004
Beyond Ejection Fraction: Novel Clinical Approaches Towards Sudden Cardiac Death Risk Stratification in Patients with Dilated Cardiomyopathy. Curr Cardiol Rev. 2022;18:e040821195265
Current challenges in sudden cardiac death prevention. Heart Failure Reviews 2020; 25:99-106
https://arritmiacardiaca.com.br/morte-subita/