Dr. Raphael Câmara: Importante dizer que obtivemos reduções em todos os estados dessas regiões. Mas como a estrutura de saúde de alguns desses estados é deficiente, isso se traduz numa mortalidade materna alta. Não há outra forma que não seja gestão qualificada e recursos financeiros para melhorar. Mas temos diversos bons exemplos, como Pernambuco, que tem uma das menores taxas do país. Por outro lado, Roraima é a maior. E, não por acaso, a maternidade de lá é chamada de “maternidade de lata”, por ser uma estrutura provisória. O Rio de Janeiro também tem uma das maiores mortalidades do país. Historicamente, a saúde no Rio foi tratada com desprezo e pessoas não técnicas, vide secretários presos por corrupção.

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Dr. Fabiano M. Serfaty: Outro dado preocupante é o que se refere à desigualdade racial. Que medidas estão sendo ou podem ser adotadas para garantir que essas mulheres recebam cuidados de saúde adequados e equitativos em todo o Brasil?

Dr. Raphael Câmara: Historicamente, a população negra tem os menores índices sócio-econômicos. E isso se traduz em menores níveis de saúde e de acesso a locais de excelência no atendimento. O que explica as maiores taxas de mortalidade é o nível sócio-econômico. Não há outra forma que não seja ter um cuidado especial com as mais pobres enquanto o Brasil não se tornar um país menos desigual.

Dr. Fabiano M. Serfaty: A redução da mortalidade materna está diretamente ligada à prevenção de complicações gestacionais e pós-parto. Sabemos que entre 75% e 90% dessas mortes podem ser evitadas com intervenções adequadas. Que tipo de treinamentos, tecnologias e inovações foram priorizados na sua gestão para garantir que essas complicações sejam identificadas e tratadas de forma precoce, evitando desfechos fatais?

Dr. Raphael Câmara: Esse foi nosso principal foco. Refizemos do zero, com grupos de técnicos de excelência, todos os manuais e treinamentos para parto e pré-natal juntamente com as sociedades de especialidades. Rodamos o Brasil todo levando esses conhecimentos. Lançamos o novo guia para aborto preconizando atendimento acolhedor, e não indicando acima de 22 semanas. Treinamos as equipes das maternidades a saberem lidar com emergências partir do programa Mortalidade Materna Zero. Instituímos o Previne com início precoce do pré-natal com melhor estratificação de risco obstétrico. Oficinas diárias com todos os estados do Brasil discutindo os casos de gravidade clínica internados nas maternidades. Reativação do Comitê Nacional de Prevenção e Controle da Mortalidade Materna. Convênio com o IFF/Fiocruz para qualificação dos comitês de mortalidade materna, aprimoramento da atenção pré-natal e foco na prevenção das causas de morte materna mais importantes  no pais: hipertensão, hemorragia e infecção. Atualização do Manual de Gestação de Alto Risco (que era de 2012) e foi atualizado após 10 anos. Nesse manual, por exemplo, introduziu-se no MS a profilaxia contra a pré-eclâmpsia nos casos indicados com aspirina. Entrega da caderneta da gestante, um importante instrumento de registro pré-natal. Até hoje, o governo novo não entregou a caderneta da gestante pois suspendeu a que fizemos e não entregou uma nova caderneta da gestante.
Dentre muitas outras iniciativas. E o resultado veio de forma muito rápida após termos recebido uma saúde materno-infantil destruída pelos governos anteriores que se traduziu na enorme mortalidade materna da pandemia. Tivemos que trocar o pneu com o carro andando. Conseguimos passar em um único ano da maior taxa de mortalidade materna da história para a menor. Isso é épico, herpico. Por questões ideológicas esse resultado que é épico, heroico, praticamente não foi noticiado. Quem perde com isso são as mães e os bebês.

Dr. Fabiano M. Serfaty: Um dos grandes desafios enfrentados por qualquer sistema de saúde é garantir a equidade no acesso a serviços de qualidade. Estados como Santa Catarina e Distrito Federal conseguiram alcançar taxas de mortalidade materna significativamente baixas. Na sua opinião, que práticas e políticas dessas regiões poderiam ser replicadas nas áreas mais críticas do Brasil para garantir uma melhoria uniforme?

Dr. Raphael Câmara: Como eu já disse, são estados ricos com saúde mais estruturada e acesso a melhores profissionais. Além disso, a população tem maior nível sócio-econômico e menos morbidades como anemia, por exemplo, que não tratada é causa de mortalidade materna. É preciso corrigir essas desigualdades urgentemente.

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Dr. Fabiano M. Serfaty: Considerando a crescente relevância da telemedicina e das novas tecnologias em saúde, como essas ferramentas podem contribuir para reduzir ainda mais as taxas de mortalidade materna em regiões onde o acesso a profissionais de saúde especializados é limitado?

Dr. Raphael Câmara: Nós lançamos a política de telemedicina na atenção primária e na obstetrícia. Criamos a TeleUti obstétrica que orientava obstetras de todo o Brasil a lidarem com pacientes graves. Informatizamos todas as unidades básicas de saúde do Brasil. Todas essas ações também foram responsáveis por esse resultado.

Dr. Fabiano M. Serfaty: Finalmente, Dr. Raphael, sabemos que a meta final é atingir uma taxa de mortalidade materna próxima de zero, algo que muitos países de alta renda já conseguiram manter por anos. Quais são os próximos passos e metas do Conselho Federal de Medicina e do sistema de saúde brasileiro para continuar essa trajetória de redução, especialmente em termos de equidade e acesso? Como sua liderança no CFM pode colaborar para acelerar esse processo?

Dr. Raphael Câmara: Lamentavelmente, a taxa de mortalidade materna é totalmente dependente do gestor central, federal. Os municípios em sua maioria são pobres. Se não houver recurso federal não há solução e há necessidade de técnicos qualificados. O atual governo demitiu nossos técnicos, destruiu nossas políticas e diminuiu recursos. Então não vejo solução. O CFM vai fazer sua missão que é cobrar, publicizar e mostrar os caminhos corretos. Espero que nos ouçam. A vida de mães e bebês não pode depender de ideologia e política, mas sim de gestão comprometida em os salvar. É o futuro do nosso Brasil na defesa das duas vidas desde a concepção.