Imagem Blog

Fabiano Serfaty Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por Fabiano M. Serfaty, clínico-geral e endocrinologista, MD, MSc e PhD.
Saúde, Prevenção, Tratamento, Qualidade de vida, Bem-estar, Tecnologia, Inovação médica e inteligência artificial com base em evidências científicas.
Continua após publicidade

Como a saúde oral está relacionada com as doenças sistêmicas?

O perigo pode estar na boca: como a doença gengival pode comprometer nossa saúde?

Por Fabiano Serfaty Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 30 jun 2021, 20h19 - Publicado em 29 jun 2021, 20h23

Dr. Fabiano M. Serfaty:

A prevenção é, de fato, o melhor remédio para qualquer doença e a saúde oral é fundamental neste contexto. Por isso, para falar do tema, convidei as profissionais dGrupo de Estudos em Periodontia Médica: Profª Drª Aline Borges Luiz Monnerat (CV https://lattes.cnpq.br/180149882),Profª Adjunta de Odontologia Unifase- Petrópolis, RJ; Drª Danielle Cecato de Almeida Passos (CV https://lattes.cnpq.br/2954099614787670),Preceptora de Odontologia Unigranrio, Cirurgiã – Dentista da Estratégia de Saúde da Família no município do Rio de Janeiro e Maria Eduarda Arrochellas, Graduanda em Odontologia Unigranrio, RJ.

Como a doença da gengiva, a periodontite, pode influenciar e agravar as outras doenças sistêmicas?

Grupo de Estudos em Periodontia Médica: 

A periodontite é uma doença inflamatória crônica multifatorial que envolve disbiose microbiana e resposta imunológica. Acomete os tecidos de sustentação dos dentes, levando a perda óssea e possui como principais fatores de risco, o tabagismo e a diabetes mellitus. Ocupa o sexto lugar entre as doenças crônicas mais comuns do mundo, de acordo com o relatório mundial de doenças (Global Burden Of Diseases) e constitui a sexta complicação do diabetes mais frequente de acordo com a Federação Internacional de Diabetes

O acúmulo de placa bacteriana e cálculo dental (tártaro) na superfície dos dentes, causado por uma má higiene bucal leva à inflamação da gengiva (gengivite). A gengivite que é o 1º estágio da doença periodontal pode evoluir para periodontite quando não tratada. O sinal mais comum de instalação de doença periodontal é o sangramento gengival durante a escovação ou até mesmo espontâneo. No caso de doença periodontal, pode haver sangramento, mobilidade dos dentes, odor desagradável e até mesmo pus saindo da gengiva. Como é indolor, a percepção pelo paciente só acontece quando há sangramento intenso e mobilidade.  A periodontite pode se apresentar de forma localizada ou generalizada. Pode acontecer com um só dente ou grupo de dentes podendo atingir até mesmo toda a cavidade oral. Leva à perda precoce dos dentes (mobilidade devido às perdas ósseas severas), por volta dos 30-40 anos, nos casos da doença mais agressiva. 

A periodontite mais severa atinge cerca de 11% da população mundial e varia de 20-50% nos casos de Periodontite moderada. Pode ser facilmente diagnosticada por um cirurgião dentista clínico geral ou periodontista. Por se tratar de uma doença crônica, a periodontite é mais comum em adultos e idosos, no entanto pode se manifestar também em adolescentes e, em raros casos, atingir crianças. O diagnóstico e tratamento precoce reduz a chance de complicações sistêmicas e severidade da doença. Necessita acompanhamento regular (Terapia de Manutenção), onde o intervalo de tempo em que o paciente deverá retornar às consultas será definido de acordo com fatores de risco e presença de doenças sistêmicas nos portadores. 

A baixa imunidade causada por má alimentação, estresse, doenças que afetam o sistema imunológico, entre outros fatores, podem contribuir para uma maior predisposição e severidade da doença periodontal. Fatores hormonais como puberdade, gestação e menopausa também podem interferir nos tecidos de sustentação periodontal.

Continua após a publicidade

O maior fator de risco para a doença periodontal é o tabagismo, e esses pacientes devem ser encorajados a cessar o hábito de fumar e encaminhados aos serviços de apoio como os ofertados pelas unidades de atenção primária do SUS, como as clínicas da família e postos de saúde.

Dr. Fabiano M. Serfaty:

Existem evidências científicas robustas que corroboram a relação da saúde oral com a saúde orgânica? 

Grupo de Estudos em Periodontia Médica: 

Décadas passadas se discutiu sobre a influência de uma infecção focal no dente e sua relação com medicina interna. Hoje esse assunto está em debate com evidências científicas robustas mostrando que a migração de bactérias patogênicas e seus produtos via corrente sanguínea causa efeitos sistêmicos e/ou contribui para doenças sistêmicas.

Periodontite é a principal doença inflamatória da mucosa oral e está associada a outras doenças crônicas mediadas por alterações inflamatórias incluindo cárdio metabólicas, neurodegenerativas, doenças autoimunes e câncer. Evidências científicas de estudos clínicos de intervenção mostram que o tratamento da periodontite reduz a quantidade de marcadores inflamatórios de comorbidade a essas doenças. Essas doenças extra orais são influenciadas pela disseminação das bactérias orais de forma direta e pela produção da inflamação exacerbada. A periodontite crônica tem sido sugerida como fator de risco para doenças cardiovasculares associada à aterosclerose, endocardite bacteriana, diabetes mellitus, doença respiratória, parto prematuro, artrite reumatoide, e, recentemente, osteoporose, câncer pâncreas, síndrome metabólica, doença renal e doenças degenerativas como doença de Alzheimer. Algumas hipóteses, incluindo susceptibilidade em comum, inflamação sistêmica, infecção bacteriana direta tem sido proposta para explicar essas correlações. 

Nesse cenário, a associação entre doença periodontal com doenças sistêmicas/orgânicas levou à introdução de um novo conceito: Medicina Periodontal. 

Continua após a publicidade

Dr. Fabiano M. Serfaty:

Qual a relação da periodontite com doenças crônicas de alta prevalência como a demência e a diabetes?

Grupo de Estudos em Periodontia Médica: 

As evidências científicas têm mostrado a conexão entre processos inflamatórios periféricos e doenças neurodegenerativas. A hipótese plausível é que a carga bacteriana e o processo inflamatório desencadeado por essas bactérias da doença periodontal (periodontite) e a produção exacerbada de citocinas inflamatórias, intensifica a inflamação ao nível do sistema nervoso central, favorecendo a ocorrência da demência na Doença de Alzheimer. Especialistas em doenças degenerativas devem manter-se em alerta quanto ao diagnóstico e controle da periodontite, uma doença bucal “silenciosa” que trabalha de forma sinérgica com a evolução do quadro degenerativo. 

Da mesma forma, especialistas e clínicos devem estar atentos coma relação da periodontite com a diabetes mellitus. Dados científicos mostram que a diabetes é uma doença que tem um número crescente de portadores com o passar dos anos e se tornou uma das principais causas de morte na América Latina. Cerca de 1 em 4 indivíduos desconhecem ser portador de Diabetes Mellitus. Cerca de 95% dos portadores de diabetes mellitus tipo 2 (DM2) apresentam doença periodontal. Uma pessoa com DM2 tem o dobro de chances de desenvolver a periodontite. 

A relação entre as duas doenças é bidirecional. A presença de bactérias específicas na gengiva e bolsa periodontal (destacamento da gengiva em relação à raiz do dente) vai estimular o sistema imunológico causando reação inflamatória generalizada, o que leva ao aumento do nível da glicose e maior resistência insulínica, causando um desequilíbrio no portador da diabetes. E por outro lado, estudos mostram que a hiperglicemia impacta a função de tecidos, com produção de colágeno menos resistente na presença da infecção local. Com isso há progressão da Periodontite com perdas ósseas mais severas e progressão mais rápida da reabsorção óssea, o que leva à perda dos dentes de forma mais precoce, impactando na qualidade de vida, nutrição e relações sociais. Vale lembrar que a periodontite é uma doença crônica inflamatória que pode contribuir para doenças cardiovasculares.

Os sinais e sintomas da Periodontite iniciam-se com sangramento gengival, quando há presença da gengivite (inflamação da gengiva) inicialmente, cálculo dental aderido aos dentes e raízes (tártaro), presença de mobilidade nos dentes ou ainda pus. Como normalmente não há dor, o diagnóstico não acontece de forma precoce. O dentista possui grande importância no diagnóstico precoce da doença periodontal. A gengivite é um quadro reversível, mas uma vez que se instala a Periodontite, o quadro infeccioso é controlado, através do tratamento periodontal, mas a perda óssea é irreversível. O controle da periodontite, principal doença inflamatória de origem bucal, diminui a resposta inflamatória sistêmica e ajuda a controlar os níveis elevados de glicose no sangue, reduzindo assim o risco de complicações em pacientes com DM2. Ou seja, o controle e prevenção da doença periodontal funciona como medida preventiva e terapêutica em pacientes DM2 e em pré-diabetes. A Associação Europeia de Periodontia e a Federação Internacional de Diabetes recomendam o tratamento simultâneo, além do acompanhamento regular da Periodontite e DM2.

Dr. Fabiano M. Serfaty:

Continua após a publicidade

Qual relação da Covid-19 com a saúde oral?

Grupo de Estudos em Periodontia Médica: 

Em 2021 foi publicado um estudo realizado no Qatar, para auxiliar a compreensão de alguns fatores de risco para o paciente portador da infecção COVID-19. Os autores identificaram que a Periodontite pode ser um fator de risco e chama atenção para importância da saúde bucal e periodontal na prevenção e no manejo de complicações na COVID-19.

A COVID-19 tem sido associada a uma resposta inflamatória intensa e pode resultar em desfechos fatais. A inflamação sistêmica também é a principal característica da periodontite. No estudo que examinou pacientes com COVID-19, a presença da periodontite aumentou em aproximadamente 9 vezes a chance de o paciente vir a óbito; 3,5 vezes de internação hospitalar e 4,5 vezes mais chance de necessitar da ventilação mecânica (intubação). Com relação aos marcadores plasmáticos, a contagem das células brancas sanguíneas, D-dímero e proteína-C reativa (marcador hepático de inflamação sistêmica) estavam significativamente mais altos nos pacientes com COVID-19 e portadores de Periodontite. 

Dr. Fabiano M. Serfaty:

O que vocês sugerem para os nossos leitores?

Grupo de Estudos em Periodontia Médica: 

A partir das evidências científicas e do atual cenário de Pandemia pelo Sars-Cov-2, torna-se imprescindível reconhecer a periodontite (2ª doença bucal mais prevalente na população, depois da cárie dental), como uma doença inflamatória crônica que contribui para o agravamento de outras doenças orgânicas, inflamatórias e degenerativas. Nesse sentido, a recomendação é que o diagnóstico precoce seja realizado desde a adolescência e os fatores de risco sejam controlados por toda a vida adulta. 

O controle do uso do tabaco deve ser estimulado de forma universal. Assim como o controle do biofilme bucal reduzindo a população de bactérias patogênicas, a partir do simples hábito da escovação dental com creme dental contendo flúor e uso do fio e/ou fita dental diariamente, além da avaliação clínica regular no dentista clínico e periodontista (caso seja portador de periodontite).

Continua após a publicidade

A correlação da periodontite com doenças sistêmicas deve ser encarada pela comunidade médica e odontológica de forma a interagir conjuntamente no controle das desordens orgânicas. Deve-se atuar no contexto da educação para a saúde integral do indivíduo, levando à melhor qualidade de vida e redução das complicações provenientes das doenças crônicas, como o diabetes, doenças cardiovasculares e doenças degenerativas como a demência. O Tabagismo deve ser abordado amplamente de forma educativa em saúde pública para estimular a prevenção e abandono ao hábito

A cadeira odontológica passa a ser um cenário propício para diagnóstico de pacientes portadores de outras desordens sistêmicas não relatadas ou não conhecidas, como é o caso da pré-diabetes e diabetes mellitus tipo 2. 

 

Referências Bibliográficas:

1. Pizzo G, Guiglia R, Lo Russo L, Campisi G. Dentistry and internal medicine: from the focal infection theory to the periodontal medicine concept. Eur J Intern Med. 2010 Dec;21(6):496-502. doi: 10.1016/j.ejim.2010.07.011. PMID: 21111933.
2. Hajishengallis G, Chavakis T. Local and systemic mechanisms linking periodontal disease and inflammatory comorbidities. Nat Rev Immunol. 2021 Jan 28:1–15. doi: 10.1038/s41577-020-00488-6. Epub ahead of print. PMID: 33510490; PMCID: PMC7841384.
3. Sanz M, Ceriello A, Buysschaert M, Chapple I, Demmer RT, Graziani F, Herrera D, Jepsen S, Lione L, Madianos P, Mathur M, Montanya E, Shapira L, Tonetti M, Vegh D. Scientific evidence on the links between periodontal diseases and diabetes: Consensus report and guidelines of the joint workshop on periodontal diseases and diabetes by the International diabetes Federation and the European Federation of Periodontology. Diabetes Res Clin Pract. 2018 Mar;137:231-241. doi: 10.1016/j.diabres.2017.12.001. Epub 2017 Dec 5. PMID: 29208508.
4. Dioguardi M, Crincoli V, Laino L, Alovisi M, SoveretoD, Mastrangelo F, Russo LL, Muzio LL. The Role of Periodontitis and Periodontal Bacteria in the Onset and Progression of Alzheimer’s Disease: A Systematic Review. J Clin Med. 2020 Feb 11;9(2):495. doi: 10.3390/jcm9020495. PMID: 32054121; PMCID: PMC7074205.
5. Marouf N, Cai W, Said KN, Daas H, Diab H, Chinta VR, Hssain AA, Nicolau B, Sanz M, Tamimi F. Association between periodontitis and severity of COVID-19 infection: A case-control study. J Clin Periodontol. 2021 Apr;48(4):483-491. doi: 10.1111/jcpe.13435. Epub 2021 Feb 15. PMID: 33527378; PMCID: PMC8014679.

 

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Domine o fato. Confie na fonte.
10 grandes marcas em uma única assinatura digital
Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe mensalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Para assinantes da cidade de Rio de Janeiro

a partir de R$ 39,90/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.