Carne, defumados e orgânicos. O que se sabe sobre dieta e câncer?
Uma das questões mais comuns que eu escuto no dia a dia da prática da oncologia é “o que eu devo comer para reduzir o risco de desenvolver câncer?” Apesar da pergunta ser simples, a resposta para essa pergunta pode ser difícil. E o motivo disso é a dificuldade que se tem de fazer estudos […]

Uma das questões mais comuns que eu escuto no dia a dia da prática da oncologia é “o que eu devo comer para reduzir o risco de desenvolver câncer?”
Apesar da pergunta ser simples, a resposta para essa pergunta pode ser difícil. E o motivo disso é a dificuldade que se tem de fazer estudos sobre os fatores dietéticos e o risco de câncer.
Para se descobrir se qualquer intervenção médica é benéfica é necessário que se façam estudos, se isso não for feito nunca teremos certeza, ficaremos sempre com uma hipótese não confirmada, um “eu acho que deve fazer”. Quando testamos um novo medicamento por exemplo, para saber se ele funciona temos que fazer um estudo com muitas pessoas onde metade vai tomar o medicamento novo e a outra metade o medicamento que já existe. Os resultados vão sendo comparados ao longo do tempo e, se um medicamento for melhor que o outro, o estudo se encerra. Descobrimos qual é o melhor tratamento e todos passam a tomar este medicamento.
Como descobrir se um alimento causa câncer?
Para descobrir com certeza absoluta se um alimento específico faz mal ou bem nós teríamos que fazer a mesma coisa. Vamos imaginar que nós quiséssemos saber o impacto de ovo de galinha no desenvolvimento de câncer. Para saber isso nós teríamos que fazer um estudo com muitas pessoas onde metade comeria muito ovo, vamos decidir uns 10 por dia, e a outra metade não comeria ovo (nem massas ou doces que tivessem ovos na receita). Todo o resto da alimentação, hábitos de vida como exercícios, fumo etc, teria que ser controlado e igual entre os dois grupos. Nós então iríamos acompanhar essas pessoas por muitos anos e verificar se ovo “dá câncer ou não dá câncer”. Não é muito difícil perceber que este tipo de estudo é praticamente impossível de ser feito porque ninguém conseguiria viver nesse tipo de dieta.
Logo, a maior parte dos estudos é feito perguntando para as pessoas seus hábitos alimentares, depois dividindo em grupos de acordo com esses hábitos e verificando se há uma maior relação de câncer com aquele hábito. O problema disso é óbvio, as pessoas têm que lembrar direitinho tudo que comeram. Quantos ovos você comeu na última semana? Você comeu macarrão? Macarrão tem ovo na receita, quantos ovos tinham no macarrão que você comeu?
Como a gente percebe esses estudos também não são muito precisos. Outro problema é que muitas vezes o que nós estudamos não é a causa do problema e sim uma “testemunha inocente”. Por exemplo, foi feito um estudo, há muitos anos, onde se pesquisou se café fazia mal para a saúde, comprovando que piorava doenças do coração. Alguns anos depois outros pesquisadores voltaram nos dados e perceberam que muitas dessas pessoas fumavam enquanto tomavam o café. Quando foi feita a análise apenas com pessoas não fumantes foi notado que na realidade café fazia bem à saúde. No primeiro estudo o que fazia mal era o cigarro, e o café era apenas uma testemunha inocente do mau hábito, que era fumar.
Há relação entre os hábitos alimentares e câncer?
Uma maneira mais interessante de pesquisar hábitos de dieta é comparar o hábito de um país inteiro com o outro país, não procuramos por comidas específicas mas sim por dietas diferentes. Foi assim que foi comprovado que a dieta do mediterrâneo, com grãos integrais, óleo de oliva, peixe, etc; é mais saudável que a dieta dos países nórdicos, com alimentos defumados e processados, poucos grãos e alta quantidade de gordura animal. Quais destes itens são responsáveis e o peso de cada um deles para causar câncer não é possível avaliar nestes estudos, mas estas são informações mais interessantes e que podem ajudar no dia a dia, independentemente de sabermos exatamente qual é a substância.
Mas os cientistas são pessoas curiosas por natureza, e sabendo dessas diferenças começam a procurar qual é a substância que realmente causa o problemas. Quando essas substâncias são identificadas há realmente mais segurança em se recomendar o consumo ou não de certo alimento. Este foi o caso dos alimentos defumados, muito provavelmente os nitratos e nitritos produzidos na defumação são os responsáveis pelo aumento do risco de câncer com esses alimentos. Outra substância descoberta foram os licopenos, presentes no tomate, que podem ajudar na prevenção do câncer de próstata.
Existe então uma dieta ou alimento que deve ou não deve ser consumido? Uma dieta do câncer?
Aqui, como para todas as coisas da vida, cabe o bom senso e a moderação. Não há como se recomendar um tipo de dieta para prevenir o câncer ou qualquer outra doença. Uma dieta saudável e balanceada, consumindo todos os tipos de alimentos, mesmo os defumados de vez em quando, com moderação provavelmente vai ajudar na prevenção não só de câncer como de outras doenças, como as doenças cardiovasculares, gastrointestinais e diabetes, assim como no controle do peso. Bons hábitos alimentares, exercício, evitar o cigarro, fazer os exames de rastreamento e se proteger de doenças sexualmente transmissíveis são as melhores medidas na prevenção do câncer.
Felipe Ades MD, PhD
Médico Oncologista Clínico
Hospital Albert Einstein
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