Exposição “Um Defeito de Cor” em cartaz no Museu de Arte do Rio
A mostra faz revisão historiográfica da escravidão abordando lutas, contextos sociais e culturais do século XIX
“Um Defeito de Cor” é meu livro preferido. E olha que escolher um livro preferido é tarefa árdua para quem, desde criança, encontra aconchego, liberdade e conhecimento nas páginas dos livros. Ana Maria Gonçalves consegue nas quase mil páginas deste livro uma façanha: ao lê-las, nenhum leitor sai ileso.
O livro conta a história de Kehinde que aos oito anos foi sequestrada no Daomé (Benin) e jogada num navio negreiro ao lado de sua irmã gêmea e sua avó para serem escravizadas no Brasil. É Kehind, octogenária e cega, em viagem para o Brasil em busca de um filho vendido pelo genitor, quem narra a história, depois de tentar refazer sua vida em África. Ela não nos poupa dos detalhes da sua saga: as emoções, os amores, as perdas. Está tudo no livro que fala sobre os costumes e a história da escravidão negra no Brasil do século XIX.
Agora essa história fascinante ganhou uma exposição no Museu de Arte do Rio. “Um Defeito de Cor” é baseada nos contextos sociais, culturais, econômicos e políticos do século XIX, abordados no livro. Ao todo são 400 obras de artes entre desenhos, pinturas, vídeos, esculturas e instalações de mais de 100 artistas de localidades, como Rio de Janeiro, Bahia, Maranhão e do continente africano, em sua maioria negros e negras, principalmente mulheres. A exposição tem obras inéditas de Kwaku Ananse Kintê, Kika Carvalho, Antonio Oloxedê, Goya Lopes, produzidas especialmente para homenagear o livro.
O defeito de cor era um conceito exigido de liberação racial comum no século XIX. Na época, se configurava a racialidade nas questões positivistas, como se pessoas racializadas, indígenas e negras, pudessem ter na sua constituição biológica algo que fosse um defeito, como pouca inteligência, por exemplo. Então, a exposição aborda esse trauma da investigação a partir da trajetória de Kehinde, a protagonista do livro de Ana Maria Gonçalves. “Espero que as histórias contadas na mostra atinjam um público não atingido pelo livro. O grande fotógrafo Januário Garcia dizia que existe uma história do negro sem o Brasil, mas que não existe uma história do Brasil sem o negro (e aqui tomo a liberdade de acrescentar os povos indígenas). Que as pessoas saiam de lá sabendo disto e coloquem em dúvida tudo que aprenderam sobre o Brasil sem que tenhamos sido ouvidos.”, conta a escritora.
Dividida em 10 núcleos, que se espelham nos 10 capítulos do livro, a mostra fala de revoltas negras, empreendedorismo, protagonismo feminino, culto aos ancestrais, África Contemporânea, entre outros temas. “A exposição não tem uma relação direta com o livro. Não é uma história ilustrada do livro. É uma relação de interpretação. A gente interpreta o livro junto com a Ana Maria, trazendo imagens e obras a partir dos conceitos que ela aborda no livro. E não damos detalhes da narrativa.” explica Marcelo Campos, Curador-Chefe do MAR, que faz a curadoria compartilhada ao lado de Amanda Bonan e Ana Maria Gonçalves. “A exposição ajuda a humanizar a história e traz à tona temas que a gente não aprende na escola. É uma revisão historiográfica abordando lutas, contextos sociais e culturais do século XIX. A gente não aborda a narrativa ficcional e sim a pesquisa histórica feita pela autora.” ressalta Amanda Bonan, Gerente de Curadoria do MAR.
O livro, que completa 16 anos em 2022, é considerado um clássico da literatura afrofeminista brasileira e ganhou o importante prêmio literário Casa de las Américas, em 2007. A mostra “Um Defeito de Cor” vai ocupar o terceiro andar do pavilhão de exposições do MAR e substitui a exposição “Crônicas Cariocas”.
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