Tô me guardando pra quando o Carnaval passar
Carnaval é o antônimo de lockdown e qualquer movimento diferente do confinamento é distopia
Entre 2016 e 2018, passei uma temporada em Lisboa por causa de um mestrado. Mesmo tendo me programado, não consegui estar no Brasil no Carnaval de 2017 e achei que jamais experimentaria uma sensação tão oca. É difícil explicar um estado de não sentir.
Alguém já me disse que a música popular brasileira explica tudo e é a ela que eu recorro, agora, numa tentativa de me fazer entender: qualquer coisa que se sinta, tem tantos sentimentos, deve ter algum que sirva. Tenho certeza que Arnaldo Antunes jamais pensou que seus versos seriam empregados para explicar a falta que o Carnaval faz na vida dos brasileiros.
Naquele ano, em 2017, na época do Carnaval, choveu uns vinte dias ininterruptos em Lisboa. Fazia frio, quer dizer, fazia uns 10 graus e eu passei todos aqueles dias entre livros e scroll no Instagram. Foi a única vez na vida que tive pena dos nossos colonizadores. A gente tem Carnaval, eles não. Confesso que achei bonito ver os portugueses se esforçarem para fazer um Carnaval “digno”, mas o esforço era em vão. Triste nascer em Portugal, nosso país irmão, e não saber o que é Carnaval de verdade.
Lá só é feriado na terça. Por aqui, em outros tempos, hoje seria o sexto dia de feriado consecutivo. Ano passado experimentei em uma semana o Carnaval stricto sensu de três capitais: Recife, Salvador e Rio. E, certamente, foi graças a estas trocas intensas – que só a maior festa popular do mundo proporciona – que não entreguei os pontos em 2020.
Carnaval é o antônimo de lockdown. Não há estado de vírus, só de fluidos. É nessa época que esquecemos até que somos (des)governados pelo “ele não”. É a pororoca das ruas que mantem a nossa imunidade alta o resto do ano. Se até Chico Buarque se guarda pro Carnaval, imagina nós, reles mortais?
Mas esse ano, o lance é se guardar pra quando o Carnaval passar. Se guardar até que toda a comunidade esteja vacinada e possa de novo desfilar, imunizada, pela Avenida. Este ano, o melhor bloco é o do confinamento. Qualquer coisa diferente disso vai pra conta da distopia, do negacionismo, da sensação oca.
Acredite, vai passar. No fim das contas, viver é experimentar de tudo um pouco mas neste momento ímpar pra humanidade, de todos os sentimentos, o único que serve é a empatia.