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Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio
Pelos caminhos entre esporte, bem-estar e cidadania
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Zé da Galera encontraria cardápio farto a cornetadas

Torcedor eternizado por Jô Soares talvez hoje cobrasse uma redescoberta dos maestros ou prioridade no combate às violências banalizadas nos estádios

Por Alexandre_Carauta Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 9 ago 2022, 10h42 - Publicado em 9 ago 2022, 10h21

Jô Soares era generoso com o esporte, e vice-versa. A mitologia do futebol frequentava o almanaque de personagens que tanto nos divertiam, nos refletiam. Muitos não envelhecem.

Do mundo da bola, Jô regularmente extraía papos, tiradas, tipos emblemáticos. Transitavam entre o riso, a reflexão e o sonho:

A tabela com Pelé dourada pelo escracho antológico de Golias, joia da família Trapo perenizada na internet. O corinthiano arrependido por ter batizado o filho de Rivellino, migrado para as Laranjeiras (singela homenagem ao Flu do coração). O bandeirinha que sabotava o juiz. E, claro, Zé da Galera.

“Bota ponta, Telê” virou mantra pré-Copa. Perpetua-se entre os inúmeros bordões escavados por Jô no cotidiano nacional. Sintetizava o desejo de grande parte dos milhões de técnicos país afora. Mimetizava nosso esporte mais popular: o pitaco.

O impossível nos afanou aquela Copa como quem rouba o céu de uma pipa. O caneco evaporou do bolso não por falta de, como se diz agora, extremas. No fatídico 5 de julho, nada derrubaria o pacto entre os italianos e os caprichos divinos. Nem por isso a jornada deixou de eternizar aquele time encantador – sob a batuta de Cerezo, Falcão, Sócrates, Zico – e o não menos insubstituível Zé da Galera.

Hoje o corneteiro trocaria o orelhão pelas redes e o rumo da prosa. Diante do revalorizado 4-3-3, incorporaria outros apelos.

Talvez pedisse para o Brasil de Tite jogar igual ao de 82, mais pensadores do que corredores. Talvez suplicasse para os times redescobrirem o 8. Arrascaeta e o ressuscitado Ganso lembram o quão precioso sempre há de ser um maestro.

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Talvez Zé sugerisse aos clubes tornarem-se efetivamente sócios e vacinarem o diamante bruto em comum contra miopias, inépcias e intransigências que atrasam o pulo do gato. Sem o amadurecimento político e administrativo, alertaria ele, fica difícil consumar os ganhos ambicionados por manobras como a conversão em Sociedade Anônima e implantação de uma Liga inspirada nas primas ricas europeias.

Zé da Galera talvez cobrasse também um VAR menos palpiteiro, restrito aos tira-teimas decisivos da proposta original. Estenderia o pedido aos reclamões nos gramados, igualmente nocivos à fluidez do espetáculo.

Último romântico, Zé sonharia com o discernimento da arquibancada entre o indispensável carnaval e uma inadmissível concessão a ofensas. Pressionaria autoridades por punições esportivas que, ao lado de multas e campanhas educativas, ajudassem a dirimir as violências racistas, homofóbicas, misóginas, xenofóbicas derivadas de preconceitos estruturais. Desconfiaria de que os rigores previstos na Nova Lei Geral do Esporte sejam insuficientes para erradicá-las.

Aos parlamentares, ainda lembraria o compromisso constitucional com o interesse público e com as urgências escancaradas pelos 33 milhões de conterrâneos sob a agonia da fome e os 35 milhões sem água tratada. Estranharia deputados federais criarem um Grupo de Trabalho (sic) para acompanhar os preparativos da Canarinho ao Catar.

A iniciativa de José Rocha (União Brasil/BA) integra-se a um “conjunto de esforços para resgatar a imagem de país do futebol”. Às voltas com a inflação (só o café subiu 60% em 12 meses), Zé provavelmente encontraria dificuldade em compreender a justificativa.

Tinhoso, custaria também a acreditar que clubes, jogadores e jogadoras – protagonistas dessa indústria – mantenham representação relativamente desproporcional às suas estaturas econômica, sociocultural, histórica. Eles detêm, por exemplo, peso inferior ao das federações nas urnas da CBF.

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Zé da Galera não resistiria. Mesmo escaldado pelas troças do inacreditável recorrentes à vida de torcedor – e de brasileiro –, acabaria tentado a sequestrar o bordão de outro personagem do Jô imune ao tempo: o cego incrédulo com as notícias lidas pelo amigo. “Depois, o cego sou eu”, ironizava.

Felizmente as realidades paralelas não escapam ao humor.

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Alexandre Carauta é doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, também formado em Educação Física.

 

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