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Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio
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Zagallo: bússola ao reencontro com o Brasil encantador

Legado do atleta e treinador multicampeão inspira correções políticas, gerenciais, éticas, para recuperar capital simbólico e esportivo do nosso futebol

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Atualizado em 9 jan 2024, 12h44 - Publicado em 8 jan 2024, 23h42

Mário Jorge Lobo Zagallo representa o avesso dos desacertos acumulados no poder central do futebol brasileiro. Seu legado ultrapassa as façanhas de multicampeão, único a faturar quatro Copas: duas nos gramados (1958/62), duas à beira deles (1970/94).

Fora a posteridade dos pioneirismos, recordes e troféus, os 92 anos de vida deixam lições socioculturais, gerenciais, éticas, empáticas. Deveriam segui-las à risca os executivos que herdam o cacife de um Brasil encantador decalcado no imaginário coletivo, porém desbotado no campo e no coração da galera.

Os dirigentes poderiam fazê-lo, ao menos, por gratidão. A CBF não chegaria à receita bilionária sem o prestígio consolidado com os três títulos mundiais em 12 anos, sem o jeito de jogar envolvente que magnetizaria até os invejosos. Só aquela sucessão de Michelangelos – Garrincha, Pelé, Nilton Santos, Didi, Gérson, Rivellino – seria capaz de esculpir o estilo arrebatador transformado tanto em identidade nacional quanto numa usina de riquezas materiais e imateriais.

Zagallo era fiador dessas gerações reluzentes. Versátil, meticuloso, perspicaz. Eficiente e agregador. Pertencia menos aos holofotes do que ao brilho da História. Envergava não a luz dos picadeiros, das firulas efêmeras. Emanava uma luminosidade solar, carioca, perseverante como as formigas, sem a qual belezas não florescem ou logo murcham.

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Luz assim faz maravilhas. Nela banhou-se a eficácia do ponta polivalente, solidário, moderno, dínamo no ataque e na defesa, sonho de qualquer técnico, em qualquer tempo.

A competência vanguardista foi reconhecida desde cedo. Rendeu-lhe, aos 26 anos, a vaga tomada de Pepe e Canhoteiro no escrete de 58.

O tino estrategista seria irradiado às facetas de treinador. Dos camisas 10 orquestrados na seleção tricampeã em 1970 ao pragmatismo do tetra, 24 anos depois, as alquimias táticas de Zagallo até hoje inspiram o campinho de terra, a várzea, o alto escalão.

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Não configuram poções infalíveis, tampouco imunidade contra polêmicas, dilemas, desassossegos. Mas abrigam muitos dos triunfos e sorrisos que os deuses da bola nos concederam.

Zagallo ajudou a construí-los com a confiança de um anjo acostumado ao jardim das delícias. Dominava os atalhos ao fulgor mestiço do futebol verde-amarelo, culturalmente lapidado no tênue entrelace entre a erupção dançante do drible e a racionalidade dos esquemas científicos, entre a prosa das tabelas e a ousadia poética das gingas.

Nem Jorge Luís Borges, entusiasta dos espaços e personagens fronteiriços, teria compreendido tão bem esse entre-lugar dionisíaco em torno do qual gravita a mitologia da Amarelinha – emblema de uma nação idealizada. Ninguém o assimilou e o dourou igual Zagallo.

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O mérito se reflete nas glórias eternizadas por livros, jornais, almanaques, nos números proeminentes evocados com orgulho, na admiração universal. Incorporam, de quebra, a irreverente mística do 13, convertida em verniz midiático. Acima disso tudo, prevalece a pedagógica representação de Zagallo.

Ele expressa a face conciliadora do nosso futebol: cativante e vitoriosa. Simboliza a rima entre frescor criativo, inteligência tática, apuro ético, entre arte e transpiração, entre tenacidade, destreza, profissionalismo.

O mestre parte, ironicamente, quando patinamos na contramão dessa rima. Quando nos distanciamos das correções de rumo, desnorteados por constantes derrapagens administrativas, políticas, morais.

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Zagallo constitui uma bússola para a seleção reaver a estatura esportiva, cultural, afetiva. Bússola para o Brasil reencontrar o Brasil. Nenhuma homenagem revelaria-se mais apropriada, mais necessária.

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Resgate brasileiro

Dorival, o preferido da vez, conjuga competências para reerguer a seleção: recuperar o viço, as conquistas, o coração do torcedor. Diniz, o fulgaz antecessor, também as reúne.

O êxito do treinador recém-empossado exige, no mínimo, três resgates. Da governança e da segurança político-administrativa, sem as quais não se compra um picolé na esquina. E o resgate dos armadores, dos maestros imprescindíveis a todo grande time, sem os quais o Brasil dificilmente voltará a ser o Brasil.

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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação FísicaOrganizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.

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