Viva a arte chapliniana da altinha
Renovada à beira-mar, brincadeira cooperativa contrapõe-se à cultura da exclusão
Os antigos chamam de controle. À beira-mar, refresca nossa capacidade de cooperar, brincar, conviver. Um alento.
Do Pontal a Geribá, a altinha reluz o espírito democrático. Prosaica resistência à elitização praiana.
A brincadeira integra meninos e meninas de vários tipos. Culto à diversidade, à empatia, às ancestrais vivências coletivas.
Sem cooperação, a pelota cai, a graça evapora. Viramos folha morta, metais em surdina, como canta o samba eternizado por Arlindo Cruz.
Mesmo nas versões radicais, altinha é um fundo de quintal. Um repente. Uma roda de musicalidades corporais e afetivas.
Alma carioca, a altinha representa uma singela vitória da rima sobre o monólogo. Da fraternidade sobre a indiferença. Do bem-comum sobre a espetacularizada cultura da exclusão.
Esses respiros opõem-se à instrumentalização da vida moderna satirizada por Chaplin já em 1936. Tempos e corpos adensados nas engrenagens do cálculo, da produção incessante, do consumo voraz.
A renovação do controle de bola revive o vagabundo chapliniano. Redime um pouco o mundo cansado de desumanidades.
Deliciosamente despretensiosa, a altinha resvala na resiliência transformadora da arte. Flor no asfalto. Com o Dois Irmãos ao fundo e a luz de outono, fica ainda mais bonita.
No fio da navalha
O sinal propaga-se no desembarque de craques como Simone Biles, Gabriel Medida, Aishleigh Barty, Douglas Souza. A saída provisória ou definitiva das competições expressa o esgarçamento físico e mental inerente à conversão de pessoas, rotinas, vidas em máquinas.
Máquinas velozes e furiosas. Máquinas até de postagens, pedágio ao reconhecimento numa sociedade inundada de imagens e fugacidade.
A fatura se reflete no avanço do Burnout, exaustão por estresse crônico no trabalho. Não poupa nem atletas acostumados ao fio da navalha.
O esgotamento atinge volume crescente de profissionais globo afora. Por necessidade ou personalidade, muitos não cogitam recalibrar a frenética cadência.
Hora de revermos o varal em que dependuramos nosso tempo, nossas prioridades: o simbolizado por Chaplin na esteira industrial, emblema cinematográfico da modernidade, ou o representado pelo balé cooperativo e leve da altinha.
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Alexandre Carauta é doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física.