Imagem Blog

Esquinas do Esporte

Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Pelos caminhos entre esporte, bem-estar e cidadania
Continua após publicidade

Da cor do coração carioca

Regeneração do América representaria um reencontro com patrimônio sociocultural do Rio

Por Alexandre_Carauta Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 jan 2021, 12h44 - Publicado em 24 jan 2021, 23h15
Figura expressa ligação afetiva de jogadores e torcedores
 (Pixabay / Anderson Dzanderson/Reprodução)
Continua após publicidade

A história do Rio é a história dos seus seculares clubes de futebol. Há muito eles respiram costumes, contradições, aspirações pulsantes na ex-capital republicana. Assim ilustra a batalha entre os princípios amadores – ligados à linhagem aristocrática, disciplinadora, do esporte – e a profissionalização cortejada pela crescente popularidade. Travado nas três primeiras décadas do século passado, o duelo espelhava esgrimas classistas numa sociedade que se remodelava entre a modernização eurocentrista e o sonho de uma democratização racial capitaneada pela bola.

O processo escolta os relatos de Mário Filho em “O negro no futebol brasileiro”, cujas firulas romanceadas não arranham a riqueza historiográfica. Refletida nas esquinas e na reciclagem das etiquetas sociais ao longo de uma dúzia de décadas, a simbiose da cidade com as expressões tangíveis e intangíveis dos clubes de futebol desdobra-se em várias faces do tecido urbano.

Impossível dissociar, por exemplo, a vida suburbana, suas lendas, palpitações, transformações, de patrimônios como São Cristóvão, Bangu, Bonsucesso, Madureira, Olaria. Patrimônios que compartilham a cor do coração carioca, como o pavilhão do hino americano eternizado por Lamartine (embora o rubro da Tijuca tenha nascido alvinegro, em 1904).

Tamanho legado não é esquecido pela incansável arqueologia acadêmica e por frequentes registros literários e audiovisuais. Não se pode dizer o mesmo das jogadas gerenciais. O prolongado purgatório do América é emblemático.

Sete vezes campeão carioca, terceiro colocado no Brasileiro de 1986, dono da quinta maior torcida no Rio, o America Football Club (grafia oficial) amarga desde 2008 três rebaixamentos no Estadual. Passou sete dos últimos 12 anos na Série B local. Nela seguirá em 2021 se não superar os demais cinco times atrás da vaga à fase principal, a partir de 28 de fevereiro. O tombo revela-se tão drástico, tão surreal, quanto o exílio das competições nacionais derivado do rebaixamento à Segunda Divisão em 1986.

Quatro anos antes, o América conquistava o Torneio dos Campeões. A disputa reunia vencedores de campeonatos organizados pela Confederação Brasileira. Naquele 12 de junho de 1982, o Maracanã viu o escrete de Eloi e Moreno bater o Guarani de Jorge Mendonça, ainda sob embalo da conquista nacional de 1978. Gilson Gênio decidiu no segundo tempo da prorrogação: 2 a 1. O título chancelava a estatura entre os melhores do país.

Continua após a publicidade

Sucessivas barbeiragens administrativas trituraram a vitalidade esportiva, política e econômica do clube pelo qual torciam Noel Rosa, Villa-Lobos, Oscarito, Tim Maia, João Cabral de Melo Neto, entre outras figuras ilustres. De tanto amealhar simpatizantes, virou “o segundo time do torcedor carioca”. Um acolhimento singular, jamais aproveitado à altura como trunfo de mercado.

Noel Rosa de perfil, acendendo um cigarro. Foto em preto e branco
Noel, um dos simpatizantes ilustres do América (Reprodução/Internet)

Com a receita atrofiada pela saída dos holofotes, o América enfrenta o círculo vicioso comum à maioria das cerca de 650 equipes profissionais no Brasil: o dinheiro escasso dificulta a formação de time competitivo e a ascensão a competições mais visíveis e rentosas, o que mantêm o dinheiro escasso. Uma vez instalada esta ciranda perversa, dela libertar-se é dureza em qualquer canto do planeta

A alforria envolve uma combinação de interesses e competências, desde a governança da associação ou empresa esportiva até convergências políticas internas e externas. O declínio americano não se deve exclusivamente a seguidas caneladas de dirigentes do clube. Nele também se encontram digitais das organizações reguladoras nos âmbitos estadual e nacional.

A solução é igualmente conjunta. Larga da consciência de que os dividendos materiais e simbólicos da difícil virada extrapolam o tradicional clube. Fora o acerto de contas com a História, a regeneração do América revigoraria o tônus de patrimônio sociocultural carioca.

Continua após a publicidade

A sonhada recuperação poderia inspirar uma guinada do futebol carioca, na contramão do sucateamento do Estadual. Integraria uma coordenação de esforços para oxigenar um campeonato asfixiado entre desacertos político-administrativos e o calendário frenético. Um campeonato ainda assim decalcado na memória e nas filiações afetivas com a cidade. Um campeonato cuja sobrevivência desafia a capacidade de torná-lo de novo tão atraente quanto as maravilhas do Rio. Mas aí são outros quinhentos…

_____________________________

Alexandre Carauta é doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, especialista em Administração Esportiva, também formado em Educação Física.

 

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Domine o fato. Confie na fonte.
10 grandes marcas em uma única assinatura digital
Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe mensalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Para assinantes da cidade de Rio de Janeiro

a partir de 49,90/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.