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Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio
Pelos caminhos entre esporte, bem-estar e cidadania
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Raiz, nutella e cringe reunidos numa animada resenha de domingo

Em meio a velhas e novas dicções do torcer, churrasco na varanda revive a alegria da zoação em família e embala o sonho de dias melhores

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Atualizado em 21 jul 2021, 16h39 - Publicado em 21 jul 2021, 01h18

O churrasco na varanda exala o passo à vida normal. Carne ao ponto, cerveja gelada, conversa fiada. Por milagre, os primos resistem ao MMA político. Projetam viagens, contam vantagens, festejam os filhos, a vacina, a tarde de sol, os copos cheios.

Entre um gole e outro, o anfitrião provoca: “A seleção joga hoje”. Refere-se ao Flamengo. “Antes tem Vascão. É o jogo da TV”, retruca o primo vascaíno. Empatam na empolgação. O terceiro deles, tricolor, força o riso que lhe permite a cabeça ainda inchada pela derrota da véspera, para o Grêmio, no finalzinho.

O tricolor refugia-se numa neutralidade marota. Quer falar de futebol europeu, do triunfo argentino no Maraca, da promissora seleção olímpica, tudo menos a rodada do fim de semana. Não adianta. A prosa mantém o curso:

“O que aconteceu ontem com o Fluzão? Perder pra esse time do Grêmio no Maracanã…”, zomba o dono da casa. Encontra uma dissimulação de dar inveja à CPI:

“Não vi direito a partida”, desconversa o tricolor. Mentira. “Parece que o Fluminense foi castigado por jogar com o time reserva. Não tenho acompanhado tanto o Brasileiro. Prefiro Libertadores e campeonato inglês”. Mais mentira.

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A pose de torcedor nutella, tão convincente quanto as imagens fabricadas do Instagram, contrasta com o desprendimento raiz do primo vascaíno: “O duelo contra o Náutico é o jogo da rodada. Hoje tem gol do Cano”.

O filho ronda ansioso o sofá enquanto atualiza a regressiva em São Januário: “Falta uma hora, pai”. Há tempo para a varanda saborear mais memes, provocações, inconfidências.

Sob as bênçãos do barril de chope, a resenha mistura artimanhas da bola e do coração. Tudo avalizado no Insta, claro. “Esse papo merece um pagode”, providencia o anfitrião. Depois da longa quarentena, a varanda raiz renasce.

Nem o gol do Náutico esfria a descontração. “Calma. O Vasco é o time da virada”, brinca o rubro-negro.

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Acostumada à doce falação, a bisavó revisita a chopeira – “seu” presente de aniversário, dado pelos desinteressados netos. No quarto ao lado, outra dimensão, as crianças capricham vídeos pro Tik Tok. Completam a beleza de um domingo qualquer, esse que aos poucos vamos retomando.

O empate tardava, o sofá sofria. “O Vasco precisa adiantar as linhas”, corneta o jovem cruz-maltino. “Você quer dizer marcar pressão”, ironiza o tio tricolor. O contra-ataque vem fulminante:

“Deixa de ser cringe”, encarna o primo rubro-negro. “Ninguém mais fala marcação pressão. É marcação alta. Você precisa se atualizar”.

Verdade. Passe vira assistência. Ponta driblador vira extrema desequilibrante. Buscar o ataque se transforma em propor o jogo. Não há mais time retranqueiro, e sim reativo. Chique, não?

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Táticas e vocábulos felizmente se reciclam. Ajustam-se às mudanças sociais, culturais, esportivas. Ainda assim, jamais prescindiremos de um oito para iluminar os atalhos, clarear os espaços, tampouco de um dez para esculpir gols, dribles, surpresas.

Acima das estatísticas, dos rótulos, dos esquemas e gírias da moda, dos números na camisa, esses bambas nunca ficarão cringe. Cultivam o frescor das despretensiosas resenhas dominicais.

“Vou ao banheiro e vai sair o gol do Vasco”, profetiza o primo. Dá certo, é óbvio. “Não disse. Eu não disse”, pula o pai abraçado ao filho. Delírio. A bisavó no colo da galera. Até a turma do Tik Tok, por curiosidade, junta-se à festa. Nem os hermanos vibraram tanto, ao reencontrarem o título sul-americano.

“Aeeeee! Estava torcendo pro Vasco. Torço sempre para os times do Rio”, solidariza-se o primo rubro-negro, dono de um sorriso permanente, como se estivesse duas doses à frente do mundo. Soa sincero. “Daqui a pouco tem Mengão”, completa.

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Àquela altura ele pesca no armário uma regata retrô, listras largas, direto dos anos 80. Raiz? Cringe? Não importa. Veste-se para o baile que seria comandado por Gabigol.

Os cinco gols sobre o Bahia prolongam o churrasco, o chope, o papo, a alegria dos anfitriões. Muito antes disso, todos já tinham lavado a alma na beleza de reviver o estar junto num domingo qualquer.

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O harmônico Brasil de Pia

Cinco também foi o tamanho da largada feminina no futebol olímpico. Quem madrugou para ver a estreia das comandadas de Pia Sundhage saiu recompensado. A goleada sobre as chinesas consumou uma animadora emancipação. Marta segue líder, clarividente, pronta a desequilibrar. Mas tira das costas a seleção. Melhor pra ela e pro Brasil.

O time de Pia joga harmônico, solidário, pé em pé. Os talentos reverenciam o coletivo, não o contrário. Se o avanço será suficiente ao ouro inédito, os deuses da bola dirão. Já é uma baita vitória, e uma inspiração à equipe capitaneada por Neymar.

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Alexandre Carauta é doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formando também em Educação Física.

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