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Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio
Pelos caminhos entre esporte, bem-estar e cidadania
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Por que o craque Neymar faz tanta falta e tanta espuma

Talento do camisa 10 é tão indispensável à seleção, e à beleza do futebol, quanto as polêmicas são para a performance digital sob a cadência do algoritmo

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Atualizado em 7 dez 2022, 18h57 - Publicado em 1 dez 2022, 10h30

Até os idiotas da objetividade admitem a falta que Neymar faz a qualquer escrete do planeta. Menos do que Messi à Argentina. Ainda assim, muita falta.

Neymar faria tanta falta ao futebol quanto Gilberto Gil à oxigenação musical. Suas belezas artísticas não lhes pouparam das pedras.

Gil foi hostilizado por simbolizar um apoio à cultura ofensivo a bolsonaristas. Neymar, por supostos desvios morais e esportivos.

O midiático camisa 10 desperta controvérsias proporcionais aos 180 milhões de seguidores. Entre os astros de chuteiras, fica atrás só de Cristiano Ronaldo (472 milhões) e Messi (360 milhões).

Do pódio digital vem a maior parte da fortuna às voltas com cobranças fiscais. Uma mina de ouro gerenciada por 215 funcionários, mostra a série documental “Neymar, o caos perfeito” (Netflix).

Os três episódios refletem menos o prodígio da bola que do Insta. A carreira de influenciador não raramente impõe-se à de atleta. Sobreviverá à aposentadoria nos campos.

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Burburinhos decorrentes, por exemplo, de declarações políticas e comportamentos juvenis afinam-se à cadência do algoritmo. Quanto mais polêmica, mais audiência online, mais grana.

Tônico às postagens milionárias, a receita volta e meia colide com representações atribuídas ao ídolo. Mais do que conquistas, dele espera-se uma confluência cósmica: virtuosismo, inventividade, humildade, abnegação.

O bamba dos gramados e das redes pode não corresponder à enorme expectativa destinada aos ídolos, mitos, heróis, sequer à maturidade compatível com um profissional na casa dos 30 anos. Isso não diminui sua estatura esportiva. Não torna dispensável o seu talento.

Deixar de reconhecê-lo cheira a implicância. Mesmo em dias apagados, Neymar agiganta a seleção. Lá não está para casar com a filha do chefe, como ironizou João Saldanha ao escalar as feras de 70, e sim por ser ungido pelos deuses do futebol.

As picuinhas forjam o estigma de firuleiro. Alegria dos memes, a fama de cai-cai contraria o modelo masculino da sociedade moderna naturalizado pela cultura futebolística. Perpetua-se em velhos chavões: jogo pra homem, e homem não cai, não chora, revida.

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A transgressão cobra alto. Tripudiam: se não prendesse a bola, apanharia menos. Equivale a culpar a vítima pela violência.

Neymar devia prender menos a pelota não para se imunizar das bordoadas. Embora algumas faltas pareçam evitáveis, é impossível vacinar pés tão habilidosos.

Devia soltar a bola rápido, em certos lances, porque jogaria ainda melhor. Exerceria melhor o papel de meia ofensivo para o qual é deslocado. O único capaz de compensar a ausência de um armador no time de Tite. Virtude suficiente para mantê-lo imprescindível.

A boa safra de atacantes deixa o Brasil menos dependente de Neymar. Não a ponto de prescindir do craque. Tudo anda mais fácil e belo com o craque. Pouco importa se é fominha, temperamental, imaturo.

Só o craque enxerga o invisível, fabrica atalhos, surpreende a arquibancada. Às vezes nem com o videoteipe conseguimos acreditar.

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Só o craque descobre o inédito como se empinasse uma pipa no subúrbio. Dedilha simplicidade e genialidade numa comunhão delirante. Encanta até os adversários. Brinca de jogar, e nos faz sorrir igual criança.

Só o craque borra deliciosamente os desenhos táticos, as previsões. Escava pequenos milagres no chão ponderável. Desmoraliza certezas, inferniza a matemática dos esquemas. Flutua sobre os clichês com a alma passarinha eternizada por Garrincha.

“A bola o procura, o reconhece, precisa dele. No peito do seu pé, ela descansa e se embala”, sintetiza Eduardo Galeano em “Futebol ao sol e à sombra”. O escritor arremata: “Ele dá brilho e a faz falar, e neste diálogo entre os dois, milhões de mudos conversam”.

Ao craque, o gol não basta, a vitória não basta, tampouco o troféu. Alimenta-se da finta dionisíaca, da beleza, da vertigem artística. Nela, caminha imortal.

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Refúgio na ponte

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Eterna também é a doce loucura repetida pelo saudoso Lula Branco Martins em jogos do Brasil na Copa. Quando a espera do gol beirava o insuportável, o ex-editor da Veja Rio trocava o sofá pelo refúgio do volante. Dirigia por onde não houvesse uma alma viva, uma tevê de boteco, uma pista sobre o confronto.

A Rio-Niterói era o bunker preferido. Ali sanfonava, solitário que nem caubói, até o fim partida. Por segurança, rodava meia hora antes de o rádio tirá-lo do exílio. Então guiava até o conforto da reprise.

Lula exponenciou, com a originalidade habitual, uma fuga sagrada de muito torcedor. Quem nunca tapou a vista no pênalti decisivo?

Compartilhadas com colegas de redação e com seus alunos da PUC-Rio, histórias assim sucediam-se como se Lula reverenciasse, a cada segundo, o espírito da arquibancada. Como se borrifasse, em cada centímetro de vida, a paixão pela Amarelinha e pelo América.

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Voz do gramado

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Bruno Guimarães e Rodrygo pedem passagem, como Douglas Costa pedia no Mundial anterior. E agora, Tite?

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Alexandre Carauta é doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.

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