Por que a onda dos palpites olímpicos é tão irresistível
Do tênis de mesa ao badminton, ciranda de pitacos nos conecta com a infância revivida no universo mítico cujas belezas extrapolam o pódio
Ninguém escapa às cornetadas olímpicas. Espalham-se como uma coceira incontrolável. Não poupam sequer a cerimônia de abertura, tampouco o VAR do judô.
Depois do conflito em Gaza e da corrida à Casa Branca, agora todo mundo destrincha ginástica, tiro com arco, tênis de mesa. Amanhecemos mestres em badminton, hipismo, esgrima.
Catedráticos brotam no calçadão, no condomínio, no churrasco pós-pelada. Avaliam táticas, escalações, performances. Cravam diagnósticos com a convicção de um matemático da Nasa.
“Tinha que explorar a mão de fora do bloqueio”, dispara o especialista em vôlei enquanto traça o pastel na feira. “Aquela braçada ficou curta”, decreta o comentarista de natação espreguiçado na cadeira de praia.
A epidemia de pitacos devora a fartura esportiva. Sob o compasso das certezas compulsórias cravejadas no contemporâneo digital, batemos recordes de opiniões – gaiatas, pretensiosas, desvairadas.
Palpites inundam a televisão, as redes, as esquinas. Constroem uma ponte dourada com o universo olímpico, seus ritos, mitos, milagres, seus heróis reluzentes e velados, suas redenções, suas cirandas narrativas, suas fendas temporais, suas belezas abaixo da crosta midiática, acima dos fervores nacionalistas, suas matrizes artísticas.
Cada cornetada tira uma casquinha da adrenalina e dos sonhos atléticos. Assim nos filiarmos à riqueza simbólica além das medalhas, assim nos reconectarmos à dimensão onírica e lúdica da infância. Nenhum pódio gratifica tanto.
Pouco importa se o comentário é redondo ou impreciso, se veste autoridade ou dispensa qualquer ciência. Basta nos integrar às fábulas olímpicas. Elas cativam menos pelos arroubos de superação do que pela propriedade de nos fazer criança. Eis o grande ouro dos Jogos.
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Na crista da perfeição
Em nome do pitaco verde-amarelo, não custa perguntar: que pecado teriam detectado os juízes no tubo celestial de Gabriel Medina, para subtraírem os décimos do merecido 10? Nem os deuses ou o Aquaman ousariam responder.
Até um marciano reconheceria a obra-prima do tricampeão mundial. As ondas, a brisa, o jet-ski, tudo à volta parou para aplaudi-lo, para vê-lo comemorar igual Pelé, impávido sobre o mar do Taiti. Uma apoteose eternizada pela foto igualmente perfeita do francês Jerome Brouillet. De encher o peito.
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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, integrante do corpo docente da pós em Direito Desportivo da PUC-Rio. Doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.