A corajosa repulsa de iranianas à morte de Mahsa Amini enverga eloquência simbólica e histórica. Aos 22 anos, a jovem sucumbira às agressões no cárcere imposto pelo uso inadequado do véu islâmico.
A tragédia desencadeou queimas do acessório em mais de 50 cidades. Viralizado nas redes, o recado extrapola as fronteiras do Irã e o cadeirão geopolítico do Oriente Médio.
Eco da repressão perpetrada por fundamentalismos seculares, o protesto aviva o combate a discriminações e truculências estruturais. Integra-se aos esforços contra a violação de direitos humanos, a colonização de corpos e mentes, a institucionalização de violências materiais e imateriais.
Organizações como Human Rights Watch e Anistia Internacional sistematicamente denunciam abusos assim no Catar. Não impediram que o pragmatismo econômico e político levasse para lá o confeito da Copa sob medida.
A jogada cosmética prosperou em meio à complacência de atletas, técnicos, gestores. Conivência semelhante desfrutam preconceitos manifestados em estádios e ambientes afins. Surfam a onda extremista.
Somam-se ao grupo as humilhações xenófobas e racistas sofridas pelo atacante Vini Jr. na Espanha e a banana arremessada depois do segundo gol do Brasil nos 5 a 1 sobre a Tunísia, terça passada, em Paris. Jamais será só (mais) uma banana.
As ofensas receberam das autoridades nada além de repreendas protocolares. Merecem o inadmissível. Há muito o mercado conforma-se em adiá-lo.
Não é mais aceitável a condescendência com os ataques, como se não passassem de pulsações folclóricas da arquibancada. Tratamentos paliativos revelam-se insuficientes para estancá-los. Precisamos seguir o paradoxo de Popper: intolerantes com o intolerável.
A mudança exige punições penais, financeiras, esportivas a torcedores, clubes e demais corresponsáveis. Dificilmente virá sem a pressão de patrocinadores e jogadores alojados na cobertura dessa indústria.
Eis uma bela oportunidade para materializar compromisso social da cartilha ESG apregoada por organizações públicas e privadas. O destemor das mulheres iranianas é um banho de inspiração.
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Grito da galera
Por falar em oportunidade, os recordes de público nas finais do Brasileiro derrubam desconfianças sobre o cacife comercial do nosso futebol feminino. Seu aproveitamento impõe a progressiva qualificação de equipes e campeonatos, especialmente como produtos de mídia(s). Avanço para o qual seguem imprescindíveis a participação mais efetiva dos principais clubes e o amadurecimento político-administrativo sob a regência da governança e do marketing.
A pedra está cantada pelos 36 mil e 41 mil espectadores que acompanharam, nas capitais gaúcha e paulista, respectivamente, os duelos entre coloradas e corinthianas culminados no tetra do Timão. Fora o amor aos pavilhões, seus gritos ressoam o esboço de um horizonte melhor às garotas boas de bola.
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Desafio à prancheta
As pestanas de Tite não queimam pela derradeira vaga na lista do Mundial, entre Firmino, Matheus Cunha e Pedro, dono da melhor fase. Não faltam ao treinador ótimos atacantes.
Difícil é tirar da cartola um esquema capaz de conciliar Casemiro, Fred, Paquetá, Neymar, Raphinha, Richarlison e Vini Jr. Envernizaria o equilíbrio entre eficiência defensiva e impetuosidade ofensiva inerente aos grandes campeões. Esbarra na matemática da prancheta.
Um dos personagens da temporada brasileira, o inventivo Fernando Diniz provavelmente tentaria uma solução heterodoxa. Talvez deslocasse Paquetá para a lateral. Funcionou muito bem com Caio Henrique, destaque na primeira passagem do técnico pelo Flu.
A alternativa imaginária carrega a despretensão dos pitacos pré-Copa. Mas, com algum treino, poderia virar variação tática de um time consistente, versátil, bem arquitetado. Combinação que embala o sonho do hexa.
A seleção ficaria ainda mais forte se, ao lado dos talentosos pontas e volantes, tivesse um ou dois maestros. Nem adianta o Zé da Galera pedir. Andam em falta.
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Alexandre Carauta é doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, também formado em Educação Física.