Há muito a noite não se iluminava como no inesquecível 21 de setembro. Nem a arrancada botafoguense despertara festa tão gloriosa quanto o reencontro do Vasco com o Vasco.
Ainda era dia quando torcedores, moradores e trabalhadores da Barreira celebravam a volta da casa, do futebol, do futuro, do passado. O banho n’alma prenunciou a chuva de gols sob o céu de estrelas.
Morro, asfalto, estádio cantavam juntos muito antes dos 5 a 1 sobre o Coritiba. Desafogavam a felicidade do amor redivivo, da maré virada, do lar restituído. O circunstancial e abusivo despejo não seria páreo a tamanha comunhão.
“Resistiremos”, ecoava o mosaico na arquibancada. Contagiante.
A deferência aos Camisas Negras, campeões cariocas de 1923, atualiza o combate a preconceitos, injustiças, desumanidades. Dessa fibra desbravadora, ergue-se o Vasco da Gama.
A pioneira acolhida a pretos e pobres emana um permanente alerta. Não podemos tolerar, muito menos banalizar os apartheids, grita o histórico uniforme revivido pelos comandados de Ramón Diaz. Todos devemos vesti-lo incansavelmente, sem concessão ou trégua a qualquer forma de racismo, machismo, homofobia, xenofobia.
“Só venceremos as discriminações com avanços educativos e punitivos. Aprofundar o tema na cobertura esportiva também é importante. A cruzada contra os preconceitos envolve jogadores, dirigentes, autoridades públicas, jornalistas”, ressalta o presidente do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Marcos Gomes, em seminário da PUC-Rio sobre Comunicação Esportiva.
Tal responsabilidade conjunta está nos alicerces de São Januário, nascido em 1927 da guerra contra a exclusão. Está na coragem do presidente José Augusto Prestes em, três anos antes, ter resistido à pressão elitista dos congêneres. Ao sustentar a equipe e o clube inclusivos, fez História.
Naquela noite quente de setembro, festejava-se a democrática genética vascaína. Nela pulsa a grandiosidade acima de bravatas, conchavos, oportunismos, de tropeços esportivos, gerenciais, financeiros. Compreendê-la, honrá-la e revesti-la de profissionalismo configuram a chave para o sucesso nos gramados e nos negócios.
Mais do que o ânimo resgatado por uma equipe competitiva, aquela noite esplandecia a comunhão com o espírito resiliente e popular sem o qual o Vasco não seria o que é. Envergá-lo revela-se especialmente necessário para cortar as garras insones da segregação.
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Corrida ao cartão-postal
Comunhão não menos vigorosa vivem o Rio e os esportes ao ar livre. Milhares de corredores, inclusive de outros estados, vão abraçá-la domingo agora, na Meia Maratona do Cristo.
Escoltados pelo sol de primavera e pela floresta, largarão às cinco e meia da matina. Passarão por maravilhas como Vista Chinesa, Paineiras e Mesa do Imperador, em trajetos de 10 e 21 quilômetros, até a panorâmica do cartão-postal recompensar cada pingo de suor.
A competição reforça o casamento entre a corrida de rua e o entretenimento cultural. Depois da prova, atletas poderão participar da roda de choro e samba comandada por Paulinho Bandolim, em brunch no Jo & Joe Hotel, Largo do Boticário.
A meia maratona abrirá as comemorações dos 92 anos do Cristo Redentor. Os organizadores vão encaminhar 10% da arrecadação a projetos sociais da Arquidiocese do Rio.
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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.