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Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio
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A “mão de Deus”, a arte da bola de Maradona e o pedido natalino

Gol de Maradona na Copa de 86 é uma brisa com a qual Paolo Sorrentino esvoaça memórias adolescentes no longa polvilhado de humanidades

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Atualizado em 21 dez 2021, 13h15 - Publicado em 20 dez 2021, 16h43

As varandas eclodem. Maradona abre a vitória sobre os ingleses no Mundial de 86. Gol de mão, denuncia o replay, burro como profetizara Nelson Rodrigues. Genial, reverenciam os fãs. Mão divina, proclamam. Pouco depois ele marca de novo, a arrancada mais pungente das Copas. Avança igual um adulto tripudia de crianças no joguinho de fim de ano. Assim são os deuses.

Muitos acham o gol irregular mais antológico. Atribuem-lhe incomparável riqueza simbólica. Diego ilude não só os oponentes. Engana juiz, público, locutor, engana até as lentes primárias. Não houvesse câmera lenta, jamais seria desmascarado.

Descoberta a malandragem, as sacadas napolitanas prolongam a festa. Identificam o espírito dionisíaco do futebol. Celebram o ídolo que descera do olimpo para fazer história à beira do Tirreno. Alguns enxergam façanha épica. “Ele vingou o povo argentino, oprimido pelos imperialistas das Malvinas. É um gênio. É um ato político”, brada na varanda o ancião da família retratada em “A mão de Deus” (“Stata la Mano di Dio”, Itália, 2021), de Paolo Sorrentino, premiado no 78º Festival de Veneza.

A veneração a Maradona, contratado a peso de ouro pelo Napoli, é uma brisa pela qual Sorrentino esvoaça a nostalgia da adolescência cadenciada por dramas, incertezas, descobertas, tensões e, claro, amor platônico. Caminho próximo ao percorrido por Fellini em “Amacord”, de 1973, e por Bergman em “Fanny e Alexander”, de 1982.

Referências e reverências futebolísticas navegam coadjuvantes na história em torno do introspectivo Fabietto Schisa, 17 anos, interpretação primorosa de Filippo Scotti. Com doses de realismo romântico, a narrativa autobiográfica desfia afetos, desacertos, angústias da comédia humana. Abraça a fome de mar e de arte, numa Nápoles cortejada pela fotografia de D’aria Antonio. Não à toa concorre ao Globo de Ouro e ao Oscar de filme estrangeiro.

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O longa de verniz felliniano polvilha situações e relações familiares com as quais o jovem rascunha a caligrafia moral, os desejos, a identidade. Embora esses personagens e subtramas se mantenham efêmeros, e caricatos, despertam identificações com vestígios de nossas lembranças, nosso cotidiano, nossa alma.

Imaginar-se no seio daquela família italiana – seu convívio macarrônico, sua irreverência, seus conflitos, suas excentricidades, suas pequenas crueldades – não constitui tarefa difícil. O culto ao Napoli e a Maradona é a cereja do bolo no qual Paolo Sorrentino confeita o passado e, de quebra, espana o pó de um tempo assombrado pela indiferença.

As memórias de Sorrentino recortam dilemas existenciais, esgrimas com o mundo, a eterna busca da transcendência. Para o adolescente, a arte da bola e a arte cinematográfica desabrocham a redenção da realidade, um poder celestial. Teria ungido a mão do craque.

As venturas e desventuras de Fabietto expressam também belezas triviais, doces loucuras, tristezas, coragens. Humanidades. Traços que nos irmanam à mesma mesa, como a recheada pela família napolitana num almoço de domingo. A cena é uma estrela natalina.

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Em meio às intransigências de tocaia e à compulsão por contatos virtuais, em meio aos enormes desafios socioeconômicos, políticos, ambientais, confrontamo-nos com a urgência de reacender os encontros à mesa. De sentar junto, jogar junto, rir junto, dialogar com o diferente. Acalentar a essência e a leveza. Eis um bom pedido de Natal à mão divina.

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Alexandre Carauta é doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, também formado em Educação Física.

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