Financiamento coletivo acena para o nosso futebol
Ao mapear mercado brasileiro, empresário acredita que modelo bem-sucedido no Watford possa ser replicado em clubes como América e Boavista
Nem o futebol nem Rio seriam o que são sem a grandiosidade histórica de clubes como América, Bangu, Bonsucesso. Seus calibres esportivos atrofiaram sob a cadência de desacertos administrativos, econômicos, políticos. Uma cavalaria insinua-se no horizonte.
O financiamento coletivo acende a esperança de aproximar a realidade do pôster na parede. Nisso acredita o CEO da Pitch N’ Play, Carlos Eduardo Mariani. Depois de mapear o mercado brasileiro, ele avalia: “O crowdfunding pode ajudar muito clubes com menor capacidade de arrecadação. Para alguns deles, pode representar a sobrevivência ou a reabilitação”.
A bem-sucedida adoção desse modelo pelo inglês Watford, nos Estados Unidos, inspira a aposta em replicá-lo aqui. Caê explica, num papo por vídeo, por que América e Boavista entram no radar do crowdfunding, e enfatiza a importância da gestão empresarial. Mesmo dividido entre Rio e São Paulo, por força da nova empreitada, também jura fidelidade às delícias cariocas, especialmente o Maracanã e a corrida na Lagoa.
Por que o financiamento coletivo ensaia avançar no mundo da bola?
O crowdfunding é interessante a clubes de menor porte. Eles passam a não depender só de patrocinadores e empréstimos. Esse modelo institui o sócio-investidor: injeta dinheiro no clube e, em troca, participa de receitas futuras e decisões estratégicas. Lógico que isso precisa se ajustar às realidades específicas.
Como funciona o crowdfunding num clube de futebol?
Os sócios-investidores contribuem com quantias aplicadas no desenvolvimento do clube. O torcedor se torna efetivamente um sócio, engajado no sucesso esportivo e financeiro daquele investimento. O clube precisa informar, com transparência, a meta ou as metas do financiamento coletivo, como será usado o dinheiro e a que benefícios os investidores têm dinheiro.
Esse modelo se mostra mais adequado a clubes menores?
Certamente. As receitas dos clubes da elite são impulsionadas por grandes patrocínios e outras fontes potentes, como bilheteria e venda de direitos de transmissão. Vários têm virado Sociedade Anônima (SAF), para melhorarem a gestão e a captação de recursos. O crowdfunding não interessa tanto nesses casos. Já os clubes menores, com menos receitas de patrocínios, de bilheteria, de TV, podem encontrar no crowdfunding, numa SAF Coletiva, uma solução para aumentarem a arrecadação de maneira sustentável. E a relação com o torcedor se aprofunda.
Como assim SAF Coletiva?
Cada sócio-investidor vira dono de uma fração do clube e, em troca, recebe os benefícios acordados. Em geral, participa de receitas e até de decisões corporativas. A comunidade de sócios-investidores pode aportar no clube até R$ 15 milhões, teto desse tipo de operação no Brasil. Isso pode transformar a realidade de um clube. Pode ser decisivo para seu desenvolvimento sustentável. Pode até representar a sobrevivência de clubes tradicionais do nosso futebol.
Até que ponto derrapagens gerenciais e políticas dificultam o crescimento do crowdfunding por aqui?
Acredito que o crowdfunding, bem aplicado, possa melhorar o ecossistema de negócios. O financiamento coletivo tende a favorecer a estabilidade e a sustentabilidade do clube, que passa a não depender de um patrocínio. A base financeira ampliada, com torcedores-investidores engajados no sucesso da organização, também ajuda a diluir os riscos. Mas a gestão profissional, empresarial, é imprescindível para o modelo dar certo. Seu êxito depende, logicamente, de aspectos como a adequação do crowdfunding à realidade e ao propósito de cada clube. O saneamento financeiro e administrativo é igualmente importante. Também é preciso discriminar previamente a aplicação do dinheiro. Ele pode ser usado, por exemplo, para incrementar a estrutura e a formação de talentos.
Que casos inspiram uma arrancada no país?
Um dos casos mais bem-sucedidos é o do Watford, nos Estados Unidos. O clube inglês ofertou ações para arrecadar fundos que seriam aplicados em melhorias no time e na infraestrutura. A campanha levantou quase 7 milhões de dólares, estreitou a relação com torcedores e gerou benefícios compartilhados.
Em que clubes brasileiros ou cariocas, por exemplo, este tipo de iniciativa pode ser aplicado?
Clubes como o América e o Boavista parecem compatíveis com o financiamento coletivo. Ainda não iniciamos conversas, mas eles estão no radar. O América é uma marca importante, tem enorme tradição. E o Boavista, pelo tamanho e pela gestão supostamente equilibrada, também se mostra, em princípio, condizente ao crowdfunding. Ele só se deve ser implantado a partir de um diagnóstico preciso de cada clube, para mapear as ferramentas mais eficientes à respectiva realidade. Além do mais, o crowdfunding contribui para a decolagem da economia criativa, que combina com o Rio.
Por falar em Rio, como você, um carioca raiz, encontra tempo, na maratona empresarial, para curtir as maravilhas da cidade?
A rotina profissional me divide entre Rio e São Paulo. Mas procuro me manter fiel a atividades que me conectam com a cidade e renovam a energia. Sou torcedor de Maracanã. E não deixo de correr na Lagoa. É uma das muitas delícias cariocas. Aliás, tenho investido na corrida.
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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, integrante do corpo docente da pós em Direito Desportivo da PUC-Rio. Doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.