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Esquinas do Esporte

Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Pelos caminhos entre esporte, bem-estar e cidadania
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Desigualdades assombram também o universo do esporte

Democratizar o hábito esportivo é primordial para melhorar a saúde da população no país, cujos desequilíbrios se estendem à dimensão industrial do futebol

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Atualizado em 6 set 2024, 21h54 - Publicado em 6 set 2024, 12h26
Corredora na pista à beira-mar
OMS: meia hora por dia de atividade como caminhar e pedalar já reduz o risco, por exemplo, de diabetes e distúrbios cardíacos (Daniel Rech - Pixabay/Reprodução)
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Nossas desigualdades perpetuam-se como uma disfunção genética, lavrada em traços escravocratas que tingem a aquarela brasileira desde o berço colonial. Perenizam violências materiais e simbólicas. O jornalista e escritor Zuenir Ventura as radiografou, há três décadas, em “Cidade partida”. Não recuaram um milímetro.

Esmiuçadas por craques como Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro, Djamila Ribeiro, Zuenir, essas ferrugens estruturais segregam sem descanso. Prolongam discrepâncias no trabalho, na educação, na segurança, na habitação, no saneamento, na alimentação, na representação política, na saúde. Corroem a dignidade, os direitos fundamentais, o futuro.

Suas garras dilaceram principalmente mulheres, pretos, pobres. Alastram-se desproporcionais à oitava economia do planeta. Mais do que um contraste, uma vergonha humanitária.

Das contradições nacionais, nenhuma supera o disparate entre o volume de alimentos produzidos, suficiente para saciar mais de 10% dos habitantes no mundo, e os 2,5 milhões que ainda passam fome no país. Quase 30% dos domicílios sofrem alguma insegurança alimentar, estima o IBGE. Mal sabem se farão sequer uma refeição diária.

Os alentos diagnosticados pelo Observatório Brasileiro das Desigualdades revelam-se modestos. Não indicam uma guinada rumo à melhor distribuição de poder, recursos, oportunidades.

A queda de 40% da extrema pobreza, entre 2022 e 2023, é desacompanhada de outras urgências, como reduções do analfabetismo funcional (taxa de 42% na população entre 15 e 64 anos do Nordeste), da desocupação feminina (48% superior à masculina) e das moradias precárias (43% delas na região Norte). Números perversamente teimosos.

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Igualmente emblemáticos são os indicadores de Saúde. Mortes por causas evitáveis subiram 22% naquele período. O crescimento expõe a necessidade de aperfeiçoar estratégias preventivas: cobertura vacinal, controle de doenças não transmissíveis, democratização de práticas esportivas e refeições nutritivas.

A maioria das complicações médicas seria evitada ou contida com o casamento de dois hábitos: exercitar-se frequentemente (a Organização Mundial da Saúde recomenda ao menos 150 minutos semanais de atividade moderada) e comer de forma balanceada, sem excesso de sal, açúcar, gordura. Cuidados simples porém distantes de grande parte dos brasileiros, sobretudo os de baixa renda.

O relatório enfatiza: “As desigualdades de saúde representam um desafio crítico para o desenvolvimento humano, tendo destaque dentro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 das Nações Unidas”. Ligadas a “pobreza, exclusão social e vulnerabilidade”, empacam a universalização do bem-estar.

O envelhecimento acelerado – seremos 70 milhões de idosos em 2050 – acentua o desafio. Não conseguiremos superá-lo sem políticas públicas comprometidas em ampliar o acesso ao exercício físico ou à prática esportiva regular e à alimentação saudável. Já deveríamos ter abraçado forte tamanha prioridade.

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Fair play, a bola da vez

Desigualdades confrontam também a dimensão industrial do futebol. A primavera de sociedades anônimas sugere precauções contra a expansão do fosso econômico e esportivo no quintal verde-amarelo.

A relação entre cofres abarrotados e alto desempenho caminha visceral. Impulsiona os gigantes contemporâneos: Real Madrid, Barcelona, Manchester City, PSG, Bayern de Munique.

O caso do outrora acanhado City é pedagógico. Somava só dois títulos do campeonato inglês ao longo de 128 anos, até ser comprado, em 2008, pelo grupo Abu Dhabi United, dos Emirados Árabes. Torna-se um dos clubes mais valiosos e vitoriosos do planeta. O elenco de R$ 7 bilhões rendeu oito canecos nacionais (em 13 temporadas), um Mundial, uma Champions, uma Recopa europeia.

O sucesso alarga a visibilidade, o faturamento, o valor de mercado. Globaliza a marca e a torcida.

“O investimento bilionário em jogadores dá um resultado direto no campo. É uma década de domínio do City na liga considerada a melhor do mundo. O clube consegue capitalizar em troféus o que gastou com grandes atletas, como David Silva, Edin Dzeko, Yaya Touré, Mario Balotelli, contratados para a temporada 2010/11 – exemplifica o presidente da torcida oficial do Manchester City no Brasil, Enzo Krieger. Ele ressalva:

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– Não basta gastar muito. É preciso estruturação financeira para se manter dominante.

A lógica se replica, num calibre menor, ao lado de cá do Atlântico. Clubes ricos consolidam-se no topo das competições domésticas e continentais. O Bahia, arrematado e saneado pelo grupo City, provavelmente passará a frequentá-lo de vez em duas ou três temporadas. Assim indica a injeção de capital prevista.

Comprado por John Textor, o Botafogo ingressa na patota grã-fina. Os R$ 390 milhões investidos no elenco, recorde sul-americano, o revestem de favoritismo no Campeonato Brasileiro e na Libertadores.

Incomodados com a ascensão, concorrentes acusam a SAF de pedalada orçamentária: a arrecadação bruta não ultrapassara R$ 388 milhões em 2023. Contorcionismo matemático afiançado pela holding Eagle, sob o comando do empresário americano.

A cartada, justificam os gestores, aumenta a competitividade e, consequentemente, a conta bancária. Nisso confiam para fechar a conta e crescer de forma sustentável. Dificilmente o prognóstico vingará se o investimento pesado não incluir a formação de talentos.

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O burburinho em torno da bolada alvinegra esquenta o debate sobre o chamado fair play financeiro. Precisamos libertar a discussão da superficialidade, do oportunismo, da hipocrisia.

O tal fair play corresponde a um conjunto de regras para coibir abusos nocivos à sustentabilidade das organizações e dos negócios. Há 13 anos são adotadas sistematicamente na Europa.

Embora variem de acordo com os proprietários de cada competição, convergem para o principal requisito à solvência de famílias, governos, empresas: gastar proporcionalmente à remuneração. A partir de 2026, participantes dos torneios organizados pela Uefa, por exemplo, não devem aportar no time grana superior a 70% do orçamento, tampouco acumular prejuízo trienal acima de 30 milhões de euros.

Esses controles buscam resguardar compromissos trabalhistas, comerciais, esportivos. Equivalem a manuais de sobrevivência para clubes dóceis à tentação suicida de contraírem dívidas atreladas a supostas receitas futuras. Nem sempre punições consumam o rigor normativo, especialmente quando os infratores são graúdos.

A Comissão Nacional de Clubes ensaia regulamentação semelhante. Caso se afine à nossa realidade e ao interesse coletivo, poderá afastar desequilíbrios danosos à atratividade do espetáculo – refletidos no rateio desigual das verbas associadas ao direito de transmissão.

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Rainhas do marketing, as ligas americanas zelam pela equidade das equipes não por caridade. É o pragmatismo de consumo que as move: quanto menos equilibradas as disputas, menos interesse despertam.

O princípio passa batido por aqui. A resistência a empregá-lo não constitui uma surpresa. Pelo contrário, beiraria o milagre diante de instituições que relutam em se reconhecerem sócias e claudicam na costura de uma liga. Preferem decepar a galinha, atrás de um pedaço maior, do que se aliarem para engordá-la progressivamente e dividi-la por inteiro. Um ambiente pouco chegado ao fair play.

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Tabela entre a memória e o futuro do futebol

Bambas da comunicação e do esporte debaterão, na próxima quarta, 11 de setembro, às 9h30, na PUC-Rio, transformações, dilemas, percursos futebolísticos. O papo será aquecido com a exibição dos documentários “A força do Gigante”, de Marco Antonio Rocha; e “Já fomos bailarinos, hoje somos robôs”, de Frederico Pugliese.

Depois da sessão dupla, o documentarista e professor Luís Nachbin vai comandar a mesa-redonda formada pelo fundador do Museu da Museu da Pelada, Sérgio Pugliese; o criador do Cinefoot, Antonio Leal; o editor de projetos especiais da Globo, Sidney Garambone, codiretor da série documental “Galvão: olha o que ele fez”; o roteirista e diretor do documentário “A força do Gigante”, Marco Antonio Rocha; e o treinador Oswaldo de Oliveira. Eles conversarão sobre temas como o estilo de jogo culturalmente atribuído aos brasileiros; o combate ao racismo no mundo da bola; e a construção da memória esportiva.

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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, integrante do corpo docente da pós em Direito Desportivo da PUC-Rio. Doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação FísicaOrganizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.

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