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Esquinas do Esporte

Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Pelos caminhos entre esporte, bem-estar e cidadania

Com a Copa 2027, nosso futebol feminino alcançará 70% do potencial

Artífices da vitoriosa candidatura brasileira projetam avanços esportivos, culturais, socioeconômicos impulsionados pelo primeiro Mundial na América do Sul

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28 Maio 2024, 13h37
Executivas da candidatura brasileira à Copa de 2027
Aline Pellegrino, Manuela Biz, Valesca Araújo e Jacqueline Barros: brilho decisivo para a escolha do Brasil  (FIFA/Divulgação)
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Nosso mítico Maracanã abrirá, em 2027, a primeira Copa feminina na América do Sul. O feito histórico configura-se um iminente divisor de águas. Um fervoroso impulso à escalada esportiva, econômica, midiática do futebol jogado e dirigido por mulheres nesses trópicos.

“Hoje usufruímos 30% do nosso potencial. Com as transformações decorrentes do Mundial, chegaremos a 60%, 70%”, prevê a gerente da bem-sucedida campanha brasileira, Valesca Araújo. Ela orquestrou o intenso processo ao lado de outras duas artífices da candidatura eleita pela Fifa: Jacqueline Barros e Manuela Biz.

O prognóstico da executiva advém não do orgulho e da empolgação inevitáveis, tampouco de um otimismo infundado. A previsão deriva de análises técnicas em torno dos ganhos tangíveis e intangíveis com a Copa pioneira. Sinalizam desde uma crucial mudança de mentalidade até participações superiores da modalidade em estádios, meios de comunicação, receitas.

Valesca e Manuela detalham, num papo por vídeo, os trunfos da vitória sobre os concorrentes europeus e assinalam os deveres de casa para o desejado salto. Também explicam por que a arrancada deve ser tanto geral e irrestrita quanto natural.

Que fatores revelam-se determinantes para termos superado a concorrência tripla de Alemanha, Bélgica e Holanda?

Valesca: Vários aspectos pesaram a nosso favor, desde a vontade política de sediar a competição e as garantias técnicas entregues à Fifa até a estrutura e a mão de obra qualificada que o Mundial de 2014 nos legou. Outro trunfo refere-se à capacidade transformadora da Copa para o futebol feminino no Brasil e nos demais países sul-americanos.

Manuela: Em relação às garantias e ao apoio de governos e federações, é importante destacar as costuras políticas feitas pela Jacqueline (Barros) com as gestões públicas. Este alinhamento fez diferença.

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Além dos estádios, que estruturas favoreceram a opção pelo Brasil?

Valesca: Centros de treinamento e espaços para eventos também contaram favoravelmente. Mas a boa estrutura já disponível não exclui a necessidade de fazer ajustes, de agregar, por exemplo, vestiários separados para a comissão técnica e espaços para atletas ou treinadoras amamentarem.

Manuela: Tão importantes e decisivos quanto os atributos estruturais são a experiência e a capacitação profissional desenvolvidas há quase duas décadas.

Como assim?

Manuela: As competições internacionais que se sucederam no Brasil, desde o Pan 2007, formaram profissionais gabaritados para organizar e gerir grandes eventos. Uma qualificação reconhecida no exterior. Este legado também favoreceu a candidatura brasileira.

O Brasil tornou-se uma escolha natural, como pregava o slogan da campanha (A Natural Choice)?

Valesca: Em vários sentidos. Não só porque superamos tecnicamente os concorrentes. Não só pela densidade sociocultural do esporte no país. Mas também porque a Copa representa a oportunidade de encaminharmos uma mudança sociocultural: mulheres jogarem futebol com a naturalidade dos homens. O futebol deve naturalmente fazer parte da vida das mulheres. Precisamos construir esta equidade.

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Manuela: Tal propósito se reflete nas representações das nossas riquezas naturais e da água adotadas na campanha. Elas simbolizam tanto a relação entre prática esportiva e sustentabilidade quanto a fluidez, a força e a leveza femininas.

Por falar em força, a candidatura destacou o impulso do Mundial para o futebol feminino no Brasil e no continente. Que impactos se esboçam mais expressivos?

Valesca: A Copa vai muito além do jogo. Seu planejamento contempla toda transformação possível: estrutural, cultural, esportiva, socioeconômica, midiática. Engloba amadurecimentos no Brasil e no continente. Eles envolvem desde uma mudança de mentalidade, para que o futebol feminino seja jogado e visto com naturalidade, sem discriminações, de maneira equânime, até melhores condições de trabalho, a começar pelos campos, e patrocínios superiores.

Manuela: Faz parte desses avanços a integração do futebol feminino às regionalidades brasileiras, inclusive às manifestações culturais dos povos originários. Isso está previsto no planejamento da Copa.

Até que ponto a visibilidade da Copa sustenta uma ampliação midiática e, consequentemente, um aumento de receitas?   

Valesca: A audiência global de uma Copa é muito importante, claro. O contexto hipermidiático atual também ajuda a expandir a visibilidade do futebol feminino, com o crescimento dos canais por streaming e das transmissões por celular. A exposição midiática é fundamental para aumentar as receitas e os patrocínios não só do jogo, mas de toda a cadeia de mercado. Além do mais, se a visibilidade aumenta, a qualidade cresce: ninguém quer fazer feio, ninguém quer errar.

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Que salto socioeconômico do setor virá com Mundial?

Valesca: Mesmo com a profissionalização e a midiatização iniciadas há cerca de oito anos, o futebol feminino no país ainda não usufrui 30% do potencial, inclusive quanto à captação de patrocinadores. As transformações estruturais, socioculturais, esportivas e econômicas derivadas da Copa vão acelerar seu desenvolvimento. Depois da Copa, alcançaremos 60%, 70% do potencial, e seguiremos evoluindo. É um caminho sem volta, além do campo e bola, com mais e melhores espaços para mulheres no setor, ocupando cargos de liderança.

Manuela: O caminho impõe, como falamos, uma mudança de mentalidade – dos fãs, das marcas, da imprensa, da sociedade. À medida que o futebol feminino é tratado com naturalidade, profissionalismo, respeito, ele passa a ser mais praticado, mais consumido, mais valorizado. Uma coisa leva à outra, despertando o interesse e a confiança das novas gerações.

Uma valorização desbravada por pioneiras como as que retrata o documentário “As primeiras”, de Adriana Yañez, vencedor do Cinefoot 2024. De que maneira elas se refletem nas conquistas materiais e simbólicas da primeira Copa sul-americana?

Manuela: Não há como avançarmos sem o reconhecimento ao trabalho das pioneiras, que enfrentaram diversas e severas dificuldades para jogar bola. Envolvemos várias delas na candidatura, até por intermédio do Museu do Futebol. Para construir o futuro desejado, é imprescindível ouvi-las, lembrá-las, valorizá-las.

Depois da orquestração técnica, política, cultural intensamente operada por 12 meses, que lições e gratificações vocês extraem dessa vitoriosa corrida eleitoral?

Valesca: Verdade, passamos um ano intenso, dedicadas a atender requisitos técnicos e garantias da Fifa, e a amarrar e comunicar muito bem o conceito da candidatura, direcionado à sustentabilidade e aos avanços desencadeados pela Copa no Brasil e na América do Sul. Estávamos confiantes de que o empenho seria recompensado. Ficamos extremamente gratificadas com o reconhecimento e a vitória dessa proposta. Agora temos de conjugar esforços e competências para torná-la realidade.

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Manuela: A nossa sinergia também foi um aprendizado e uma gratificação. Uma experiência memorável.

___________

Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, integrante do corpo docente da pós em Direito Desportivo da PUC-Rio. Doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação FísicaOrganizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.

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