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Esquinas do Esporte

Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Pelos caminhos entre esporte, bem-estar e cidadania

Banho de bola humanitário embala noite de cinema e futebol

Cariocas aquecem a alma com a aventura de boleiros nórdicos atrás da redenção esportiva, retratada no documentário de abertura do 15º Cinefoot

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13 Maio 2025, 21h38
Charanga na porta do cinema Estação Botafogo
Clima de arquibancada: charanga anuncia a 15ª edição do festival, que exibe 74 filmes (Alexandre Carauta/Reprodução)
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Noite de gala. A charanga na calçada estende o tapete, a galera entra no clima. Mário Filho teria adorado.

Em vez de pompa, pipoca. Encontros feitos de brisa aquecem a expectativa de torcedor em véspera de decisão. “O festival tem sempre esse clima bem carioca”, anima-se a cineasta Cecília Lang, diretora do premiado “Bola pro alto”, deliciosa radiografia da cultura praiana cadenciada pela altinha.

O corredor do Estação Botafogo pulsa um ritmo comum, acima de escudos, pavilhões, bandeiras. Bate no peito ansioso a rima entre cinema e futebol.

O 15º Cinefoot embala a sexta-feira. Passa das nove quando a sala escura abre os braços e se converte numa doce arquibancada regida pelo anfitrião Antonio Leal. Mário Filho ficaria orgulhoso.

Dois diamantes piscam reluzentes: o 2 a 2 entre Brasil e União Soviética, 1965, contado pelo Canal 100; e a jornada quixotesca de boleiros islandeses em busca de redenção, documentada no contagiante “Jogo em casa” (“Home game”, 2023). Das feras tropicais aos entusiastas nórdicos, prevalece a universalidade lúdica do futebol.

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Rever Pelé, Gerson, Jairzinho, Manga, e outros bambas que tanto coloriram a Canarinho, é uma dádiva. Contemplá-los sob as lentes do Canal 100, cortejados pelos acordes de “Candência do samba” e pela voz não menos inconfundível de Cid Moreira, vira uma ciranda infantil: os olhos grudados nos heróis, a alma verdejante, a eternidade miúda. Só a arte fascina assim.

Até o defunto levanta e joga bola, ao ouvir a composição de Luiz Bandeira gravada por Waldir Calmon. Até o pereba dá pinta de craque com aquela música ao fundo, par perfeito à sinfonia plástica do cinejornal orquestrado por Carlinhos Niemeyer.

Restauradas pela Cinemateca Brasileira, preciosidades do Canal 100 apimentam a maratona de 74 filmes (documentais e ficcionais). O compasso cinematográfico amplifica dribles, defesas elásticas, lances memoráveis, narrados com o timbre épico de uma final de Copa. Ópera de chuteiras.

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A vanguarda audiovisual realça a bomba de Gerson contra os soviéticos no Maraca. Nem Yashin consegue detê-la. Uma pintura destinada à tela grande que a reverencia.

Três décadas depois deste amistoso, um clube da pequena e pacata Hellissandur viveria o oposto da consagração verde-amarela reverberada mundo afora. A surra de 10 a 0 no domínio adversário soterrava a ambição de torná-lo mais do que um espaço aprazível para a juventude do vilarejo islandês mexer o esqueleto e confraternizar.

O sonho hibernaria com a perenidade da neve dominante. Dormiria por 25 anos, até o filho do antigo treinador descongelá-lo ardorosamente. O singelo milagre, retratado no documentário de Smari Gunn e Logi Sigursveinsson, supera a ficção.

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Relatos bem-humorados relembram a aventura atrás da dignidade esportiva roubada num cochilo dos deuses. Recuperá-la era a missão do democrático escrete formado por ex-jogadores, estudantes, pescadores. Nele incorporou-se a atacante Freydís, outrora estrela da seleção feminina.

A improvável vitória sobre o oponente profissional não era o mais importante. O exército de Brancaleone queria reaver o orgulho futebolístico, reforçar o espírito comunitário da vila pesqueira e, questão de honra, estrear o campo construído em 1994. Mário Filho se juntaria à turma.

A cativante mobilização extrapola o esporte. Emana o magnetismo carnavalesco e despretensioso de uma macarronada dominical. Contagia mesmo quem, sabe-se lá por quê, nunca atendeu prontamente ao irresistível chamado do quique num campinho.

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Pouco a pouco nos identificamos com a moçada nórdica. Somem o branco glacial, a língua diferente, os jeitos da terra estrangeira. Somem as fronteiras. Pisamos todos o chão das coisas simples, fraternas, inestimáveis. Um banho de bola humanitário.

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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, integrante do corpo docente da pós em Direito Desportivo da PUC-Rio. Doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.

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