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Esquinas do Esporte

Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Pelos caminhos entre esporte, bem-estar e cidadania

A seleção brasileira e a síndrome da meia-noite em Paris

À medida que a Canarinho se afasta da beleza e das vitórias, torcedor faz igual o protagonista do filme de Woody Allen: mergulha em refúgios nostálgicos

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13 set 2024, 10h27
 (Manoel Soares/Divulgação)
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Fundo do poço, decretam os fatalistas. Ainda não, espetam os apocalípticos. Até as polianas remanescentes jogam a toalha.

Outrora orgulho e alento, soberania e arte, a seleção brasileira trai a História com a banalidade dos infiéis compulsivos. Judia da paciência. Desafia a confiança em recuperarmos o tom, como canta Arlindo Cruz.

A seleção desbotada já não assusta nem os figurantes continentais. Não cativa sequer os corações vagabundos. A carruagem, pouco a pouco, virou abóbora.

Sem alma, sem identidade, sem inspiração, há muito não representa o país idealizado. O espelho se quebra, e não avistamos conserto.

Anda duro apostar num milagre. Nele queremos acreditar a cada mudança de comando, a cada finta ressuscitada, a cada promessa produzida na fábrica nacional de talentos. Revelam-se insuficientes ao reencontro com o imaginário.

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A Canarinho dos sonhos parece irremediavelmente presa na imaginação e no passado. A Canarinho real, quinta nas Eliminatórias sul-americanas, pena atrás de uma saída no labirinto da decadência.

“Futebol é cíclico. Voltaremos a formar uma seleção envolvente e competitiva”, confia o técnico Oswaldo de Oliveira, calejado pelos 50 anos de carreira. “Continuamos a fabricar uma quantidade enorme de ótimos jogadores. Somos o principal fornecedor da Europa. Mas precisamos aproveitá-los melhor”, acrescenta o treinador, campeão mundial pelo Corinthians (2000), em mesa-redonda na PUC-Rio.

Dessa prodigiosa fonte, renovada nos campinhos baldios, não sai um craque desde Neymar. Faz tempo que ela também não borrifa um grande armador e um lateral acima do feijão com arroz.

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Não seríamos ingênuos a ponto de cogitarmos rever um bamba que nem Pelé, tampouco uma alegria feito Garrincha (foto). Só num bilhão de anos deuses assim cairiam novamente em nosso quintal.

Falamos de um ou outro que siga a linhagem de Didi, Gérson, Sócrates, de Leônidas, Zico, Rivellino, de Carlos Alberto, Leandro, Júnior. Seria pedir demais?

Talvez tenhamos que baixar de vez a expectativa, o sarrafo, a fé. Talvez, em respeito aos nervos e aos fatos, seja preciso nos resignarmos ao padrão contemporâneo de virtuosismo: menos dionisíaco, mais atlético; mais polivalente, menos divertido.

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Ou talvez estejamos confinados numa síndrome da Meia-Noite em Paris. A fábula de Woody Allen lembra as artimanhas da memória afetiva, inclinada a canonizar craques remotos. Não raramente constitui um bote salva-vidas.

Das sensações despertadas pelo time opaco e estrangeiro que ora rivaliza com a Bolívia por uma vaga à Copa, a nostalgia prevalece. Impaciência, decepção, indiferença rondam a área, mas nenhuma supera a saudade da verdadeira Canarinho. Contagia até quem não testemunhou seus dias de glória.

À medida que a seleção afasta-se da beleza e das vitórias, o torcedor faz igual o protagonista do filme: mergulha em refúgios nostálgicos. Eles compõem um programa assistencialista, para suprir a carência de dribles, lançamentos, tabelas, passes de trivela.

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Não é necessário ter visto os escretes de 50, 58, 62, 70, 82, 94 e 2002 para o peito apertar diante do 10 que a tevê hoje nos mostra. A emblemática camisa 10 diz muito do Brasil que fomos e queremos ser.

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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, integrante do corpo docente da pós em Direito Desportivo da PUC-Rio. Doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação FísicaOrganizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.

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