Imagem Blog

Esquinas do Esporte Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio
Pelos caminhos entre esporte, bem-estar e cidadania
Continua após publicidade

A incômoda estiagem do clássico 10

Em meio à ofensiva do tomate e da cenoura, a resenha na feira denuncia uma escassez de meias pensadores no futebol brasileiro

Por Alexandre_Carauta Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 18 Maio 2022, 23h36 - Publicado em 18 Maio 2022, 22h31

A resenha refresca a inflação. O tomate dispara,  a cenoura nem se fala, mas o fiado da conversa continua garantido. Nada lhe escapa. Da Ucrânia à dancinha emergente, o vasto mundo passado a limpo.

Vem de lá a pergunta milionária: cadê o Camisa 10? Em meio aos debates sobre linhas altas e baixas, sobre esquemas propositivos e reativos, as esquinas põem a bola no chão: precisamos reaver o 10.

Incômodo crônico. Há muito botafoguenses, tricolores, vascaínos sentem-se órfãos desse oxigênio do futebol brasileiro e mundial. A feira ecoa o persistente desamparo.

“Vocês não podem falar. O 10 de vocês é gringo”, adianta-se o freguês, antes que o dono da barraca, um flamenguista de língua afiada, tire a onda costumeira. “Deixa de chororô. O Arrascaeta sobra. Um verdadeiro 10, peça rara hoje em dia. Não importa de onde veio”, rebate orgulhoso. Nem os invejosos discordam.

Continua após a publicidade

Talvez num cantinho da alma o feirante confesse a saudade de um meia assim feito na Gávea, como prescreve o slogan avalizado pela geração do Galinho. Pet chegou perto. O berço sérvio é um detalhe, diria Parreira.

Revelar e reter um 10 de almanaque – capaz de armar, arrematar, antever, surpreender – anda mais difícil do que costura de terceira via eleitoral. As razões estendem-se das fragilidades econômicas e administrativas, raízes do êxodo precoce de talentos, ao xodó por meias versáveis, consistentes, não necessariamente cerebrais.

Todo grande clube ostentava a obrigação de fabricar, a cada ano, um meia-armador e um ponta dionisíacos. Eram testados nas preliminares. As arquibancadas deliciavam-se em medir as promessas, projetá-las no time de cima.

Continua após a publicidade

Agora os campeonatos de base preenchem, até certo ponto, o papel das preliminares. A TV fechada e o streaming ampliam as vitrines do amanhã. Poucas indicam um horizonte restituído de Camisas 10.

O número eternizado por Pelé simboliza maestria. O 10 detém a batuta. Ao mesmo tempo solista e regente. Dá vida à orquestra, liga as suas partes. Distribui simplicidade, elegância, ousadia.

Ele escasseou nos últimos 30 anos, desbotando pouco a pouco, igual foto antiga. Muito volante, muito atacante ou meia-atacante (categoria do nosso solitário craque Neymar), nada de maestro.

Continua após a publicidade

O estio se reflete na seleção. Desde Rivaldo, relembrado por Cláudio Henrique na revista Placar, não temos um expoente da estirpe de Ademir da Guia, Zico, Rivellino, PC Caju, Zenon, e outros menos badalados: Pintinho, Mendonça, Pita, Djair, Deco. (Próximo do genial, Ronaldinho Gaúcho esteve mais chegado ao ataque.)

Ganso ensaiou pegar o bastão, mas logo entregou-se à cadência de pelada natalina. Num dia bom, seus lampejos ainda libertam qualquer equipe da mesmice.

Escretes competitivos até podem prescindir de meias-armadores, uma vez que conjuguem apuro técnico, eficiência tática, pulmão, entrosamento. À beleza, contudo, o 10 clássico segue fundamental.

Continua após a publicidade

_______

A diferença do pensador

Um tanto reféns do 2019 encantador, rubro-negros culpam sucessores do técnico Jorge Jesus pelo desvio da perfeição. Afinal de contas, os protagonistas permanecem.

Continua após a publicidade

Diante do elenco prodigioso, faz sentido perseguir o sarrafo alto erguido pelas conquistas da Libertadores e dos Brasileiros. A concorrência mais dura e as picardias do tempo não arrefecem a obstinação do torcedor.

Ainda assim, vagueia atrás da orelha uma pulga em torno do sonho de reencontrar o passado recente. Qual o peso da saída de Gerson na dificuldade em retornar ao encanto?

Sob o condão do treinador português, o ex-atacante vestiu o manequim do meia-armador. Nenhum outro lhe cairia melhor. Nascia ali um time de encher os olhos.

Sabemos a diferença que faz um pensador. Felizmente alguns bambas não nos deixam esquecê-la.

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Domine o fato. Confie na fonte.
10 grandes marcas em uma única assinatura digital
Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe mensalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Para assinantes da cidade de Rio de Janeiro

a partir de R$ 39,90/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.